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Quando todos dançavam e cantavam, quando o vinho fervia e muitos já se achavam embriagados, seos dois filhos, de que ja fallei, travaram-se de razões, e o autor da questão querendo agarrar seo irmão, por um acaso ferio-lhe no ventre com um punhado de flechas, que este trasia pelo que cahio logo banhado em sangue. Tiraram-se as flexas com muita dor, como bem se calcula, o soffrimento fez desapparecer o vinho, a festa ficou perturbada, as cantorias se mudaram em gritos e lamentos, o vinho em lagrimas, as dansas em espancamentos proprios e arrancamento de cabellos.

O infeliz pae, expectador de similhante tragedia, assentado n’uma rede d’algodão, teve um desmaio, e cahio para traz.

Voltando a si, disse aos que o rodeiavam, que de uma só vez perdeo seos dois filhos, não fallando na que tinha perdido antes, um ferido por sua culpa, e o outro que os francezes mandariam matar; todos se condoeram d’elle.

Resolveram todos os Principaes da Ilha a virem ao Forte de São Luiz interceder a favor do vivo.

Em quanto se passavam estes factos, o ferido contra sua vontade, aproximava-se da morte, chamou seo irmão, e lhe disse: sou um grande criminoso, pois de uma só vez matei muitas pessoas, isto é, a mim, a meo pae, que morrerá de tristesa e a ti porque os francezes te mandarão matar: elles são justiceiros em punir os maus: mas sabes tu o que ha? toma meo conselho, e faze o que te digo.

Os Padres que vieram com os francezes, são compadecidos, e nos amam e aos nossos filhos, e pelos seos interpretes soube que aqui vieram para salvar-nos.

Já ouvi dizer, n’uma reunião a um dos nossos similhantes, que os antecessores dos Padres baptisaram antigamente em quanto com elles estiveram, e que vio os Canibaes se abrigarem em suas Igrejas, quando faziam alguma maldade, por terem certesa de que ahi ninguem lhes faria mal.