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Quero dizer, que sendo o espirito do homem creado para conhecer a Deos, e aprender artes e sciencias, torna-se entorpecido e obscurecido entre as immundicies, quando sua alma está presa nas cadeias da infidelidade, sob a tyrannia de Satanaz, mas quando sua alma desprende-se do captiveiro pela intenção e guia dos Prophetas de Deos, sahe o espirito d’esse poço lamacento, e animado pela luz, e conhecimento de Deos, das artes, e das boas sciencias, torna-se apto e prompto para executar o que percebe e aprende, o que farei vêr, e tocar com o dedo a respeito dos nossos selvagens, e mui principalmente quando de suas perguntas mais comesinhas nasce a esperança d’elles se civilisarem, e viverem reunidos n’uma cidade, negociando, aprendendo officios, estudando, escrevendo e adquirindo sciencia.

Tenho para mim, que são mais faceis de serem civilisados, do que os aldeões de França, por ter a novidade não sei que influencia sobre o espirito afim de excital-o a aprender o que elle vê de novo, e lhe agrada.

Os nossos Tupinambás nunca tiveram ideia alguma de civilisação até hoje; eis a razão porque elles se esforção, por toda a forma, de imitar os nossos francezes, como depois direi.

Ao contrario os aldeões da nossa França estão de tal sorte enraisados em sua rusticidade, que, em qualquer conversação, embora nas cidades entre pessoas distinctas, sempre mostram signaes de camponezes.

Aos Tupinambás, depois de dois annos de convivencia com os francezes, estes lhes ensinaram a tirar o chapeu, a saudar a todos, a beijar as mãos, a comprimentar, a dar os bons dias, a dizer adeos, a ir á Igreja, a tomar agua benta, a ajoelhar-se, a pôr as mãos, a fazer o signal da Cruz na testa e no peito, a bater no peito diante de Deos, a ouvir missa e sermão, ainda que nada d’isto comprehendam, a levar o Agnus Dei, a ajudar o sacerdote á missa, a assentar-se á mesa, a estender a toalha diante de si, a lavar suas mãos, a pegar na carne com tres dedos, a cortal-a no prato,