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e a beber em commum, e breve farão todos os actos de civilidade e delicadesa, que se costuma a praticar entre nós, e já se acham tão adiantados a ponto de parecerem ter sempre vivido entre os francezes.

Ninguem pois poderá contestar-me, que não sejam estes factos bastante para convencer-nos do que devemos esperar e acreditar ser esta nação, com o andar dos tempos, civilisada, honesta e muito aproveitada.

Como os exemplos provam mais que outra qualquer especie de argumentação, vou contar-vos o caso de alguns selvagens educados em casa de nobres.

Actualmente ha em Maranhão uma mulher selvagem, de uma das boas raças da Ilha, que foi antigamente, quando bem pequena, tomada pelos portuguezes, e vendida como escrava á D. Catharina de Albuquerque, sobrinha do grande Albuquerque, Vice-Rei das Indias Orientaes, sob o dominio do Rei de Portugal, a qual reside presentemente em Pernambuco, e é Marqueza de Fernando de Noronha, ilha muito bella e fertil, segundo diz o Revd. Padre Claudio d’Abbeville na sua Historia.

Esta rapariga fez-se christã, e se a vestissem á portugueza não se poderia facilmente dizer qual a sua origem, se portugueza ou selvagem, mostrando sempre a vergonha e o pudor, inseparaveis de uma mulher, e occultando com cuidado a imperfeição do seo sexo.

Poderia dizer outro tanto de muitos selvagens, educados entre os portuguezes, e dos quaes alguns foram á França, e conservam ainda hoje o que aprenderam, e o praticam quando se acham entre os francezes.

É novo entre elles o uso da barba e dos bigodes, porem como vêem esse uso entre os Francezes, tambem deixam crescer tanto uma como outra coisa.

Tem incomparavel aptidão para as artes e officios.

Conheço um selvagem do Miary, chamado Ferrador, por causa do officio, que aprendeo, vendo somente trabalhar um ferrador francez que nada lhe explicou.