98

Quando á Ilha regressou da guerra do Pará o indio Brasil julgando-se magro, pedio licença ao Sr. de Ravardiere para ir á terra firme levando comsigo alguns Francezes afim de engordar, o que lhe foi permittido.

Embrenharam-se muito pelo sertão, e quando a felicidade os encheo de caça, aconteceo-lhes uma desgraça — acabou-se-lhes a farinha: viram-se obrigados a comer palmito, como si fosse pão, com a carne que tinham, o que contrariou muito os Francezes não habituados a esta especie de pão, sentindo muito que a festa não fosse completa, havendo tanta carne, sem pão e sem sal.

Aconteceo-lhes o mesmo, que a Midas, possuidor de muito ouro, quando sua mulher lhe apresentou na meza muitas iguarias, todas porem de ouro, ou então á Tantalo morrendo de sêde apezar de cercado d’agoa: o mesmo lhes aconteceo, emagreciam em vez de engordarem por não levarem a farinha necessaria.

N’este ponto os Francezes imitam os selvagens, e por isso estes os estimam.

Os Francezes residentes no Fórte pedem licença para passeiar e refazerem-se de forças.

Quando os selvagens sabem d’isto, vão á caça, e mediante a troca de alguns generos offerecem a estes passeiadores dois ou tres banquetes: findos estes regressam á sua terra, e assim vão continuando ora n’uma aldeia, ora n’outra, girando por toda a Ilha, ou provincia de Tapuitapera e Comã divertindo-se e engordando.

Os Francezes hospedados por seos compadres n’estas aldeias não são muito felizes em seos passeios, porque se ha então alguma coisa boa não é para elles, e sim para os viandantes.

Costumam os selvagens dar o melhor, que possuem aos hospedes, por dois ou tres dias, findos os quaes tratam-nos com o uso commum e trivial.

Admire-se, eu vos peço, ainda que ligeiramente, o grande amor de Deos para com os homens, dando-lhes o sentimento