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Vi um homem e uma mulher da nação dos Tabajares, que tinham só pelle e ossos, parecendo-me terem apenas vida por dois dias, e por isso os baptisei logo, apenas me pediram, e escaparem da morte tomando taes caldos.

Quando chega a hora da morte, reunem-se todos os seos parentes, e geralmente todos os seos concidadãos, cercam-lhe o leito do moribundo, os parentes mais perto, depois os velhos e as velhas, e assim de idade em idade: não dizem uma só palavra, olham-no com toda a attenção, banham-se de lagrymas constantemente; mas apenas a pobre creatura exhala o ultimo suspiro, dão berros e gritos, fazem lamentações compostas por uma musica do vozes fortes, agudas, baixas, infantis, emfim de todo o genero, que infallivelmente enternece todos os corações, embora sejam naturaes todas essas dores e lagrymas, sem conhecimento do bem e do mal, que poderá gozar esse espirito desprendido do corpo morto.

Depois de muitas lamentações, o Principal da aldeia ou o Principal dos amigos fazia um grande discurso muito commovente, batendo muitas vezes no peito e nas coxas, e então contava as façanhas e proesas do morto, dizendo no fim — Ha quem d’elle se queixe? Não fez em sua vida o que faz um homem forte e valente?

Conto isto porque presenciei-o tres ou quatro vezes, lembrando-me de haver lido e notado em Polybio, Livro 6º, e em Deodoro da Sicilia, Livro 2º, cap. 3º, terem os antigos Romanos o costume de levarem seos defunctos á Praça publica, e ahi o filho mais velho da casa, ou o principal herdeiro em falta de filhos machos e de maior idade, subia á uma especie de theatro, e desfiando todos os louvores, que podia fazer ao morto, seo parente, desafiava todos os assistentes para que o accusassem, si podessem, afim d’elle defendel-o, e depois convidava-os a acompanharem o corpo até a sepultura.

Voltemos aos nossos selvagens. Acabado que seja o choro e o discurso tomam o corpo, ja cheio de pennas na cabeça