163

que se morderem a cabeça d’algum individuo, ficará louco. No Maranhão, como em parte alguma, tem muitas cigarras,[NCH 74] que fazem em tempo proprio um barulho infernal, como eu não acreditaria si não ouvisse: ha de diversas variedades, tamanhos e cantos.

São umas grossas, tem seis pollegadas de comprimento, e voz forte e alta a ponto de ferir-vos vivamente os ouvidos. Não cantam no inverno, e sim no estio, e quando se aproximam as chuvas gritam tanto a ponto de estalarem pelos lados, como me contaram os selvagens, sendo isto causado pelo bater das azas quando si esforçam e se incham para dar mais harmonia á voz.

Estudei os usos e costumes destes animaes em alguns, que conservei entre folhas na nossa casa.

Reconheci ser seo canto devido a tres coisas.

1.ª Engolem o ar, enchem o ventre, entumecem-se bem para estenderem bem os lados, e ficarem sonoras. Ha grande accordo entre a extensão dos lados, e as azas, por meio das quaes forma-se o som, que claramente se vê tomarem ellas folego quando erguem as azas, e quando abaixam, estendem e dilatam os flancos.

2.ª As azas são mui finas e diaphanas, e por tanto proprias para formar o som por serem muito seccas.

3.ª As azas de cima sendo fortes e massiças, tocando e batendo as azas do meio contra os lados e com auxilio do ar, forma o som.

Vou fazer-vos comprehender isto por meio de comparações vulgares.

N’uma cithara ha tres coisas para produzir harmonia — as costas onde fica o ar, que entra pela rosa do meio, as cordas tesas, limpas, seccas e bem collocadas, e a mão do tocador: assim tem estes animaesinhos as costas e as ilhargas cheias de ar, que entrou pela bocca, as segundas azas são as cordas, e as grossas a mão do tocador.

Cantam no estio desde o nascer do sol até meia noite ou duas horas depois, e se callam por causa do orvalho, que