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Esta infeliz creatura quanto ao corpo, porem muito feliz quanto á alma, principiou a experimentar os penhores do Ceo, e o merecimento do sangue de Jesus Christo que recebeo pelo baptismo. Tinha sempre os olhos fixos no Ceo, derramava abundantes lagrymas, e dizia de momento a momento, estas palavras — Y Katu Tupan, ché arobiar Tupan. Oh! quanto Deos é bom! Oh! quanto Deos é bom! eu creio n’elle. Depois por meio de signaes mostrava aos francezes, que Jiropary, o diabo, andava ao redor de sua rede, e então dizia Ko Jiropary, Ko y pochu Jiropary: «está ali o diabo, atirai sobre elle a agoa de Tupan, isto é, agoa benta para elle fugir.» Fazia-lhe o francez a vontade e dizia ella que o diabo fugia a toda a pressa, e por isso constantemente pedia ao francez que derramasse em roda d’ella e de sua rede muita agoa benta o que fazia, bem como o padre quando ahi se achava.

Apenas lhe apparecia uma dor de cabeça, que muito a encommodava, pedia para que lavassem a testa, as fontes e a cabeça com agoa benta, com que alliviava muito, a ponto de não sentir mais doença alguma: pouco depois entregou sua alma ao Creador.

Amortalharam e sepultaram seo corpo á maneira dos christãos: aconteceo porem, que alguns malvados, filhos de Giropary, que nunca foram descobertos, senão seriam punidos, foram á noite desenterral-a, quebraram-lhe a cabeça e roubaram o panno de algodão de sua mortalha: pela manhã foi outra vez sepultada.

Ninguem se admire d’isto, pois o diabo reserva sempre para si alguns bons servos, mesmo nos reinos os mais bem policiados, afim de executar suas mais detestaveis intenções.

Sabeis sem duvida, que os Tupinambás aborrecem naturalmente os que abrem as sepulturas dos mortos e não podem por isso tolerar, que os francezes abram as covas, onde foram enterrados seos parentes para lhes tirar os objectos, que elles cheios de superstição ali deixam.