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e assim procede sempre com aquelles, com quem tem pouco a ganhar retendo-os em suas cadeias: é um monsenhor, e trata cruelmente seos servos.

«Deos não é recebedor dos velhos, e nem dos moços. Os primeiros, que se apresentam, são recebidos por elle, comtudo os ultimos são sempre os primeiros, porque recebem o christianismo com mais consideração, e o conservam com mais fervor do que os que o abraçam ligeiramente.

«Nosso Deos nos fez miseraveis n’este mundo afim de não olharmos só nas delicias da carne, e sim para preparar-nos com destino a outra vida alem d’esta.»

Antes de passar adiante convem explicar o que elle quiz dizer, quando fallou da desgraça de sua nação, devida aos conselhos dos seos feiticeiros, e á carnificina feita pelos Tupinambás.

Havia entre elles um grande feiticeiro, que entretinha com o diabo visiveis relações, e gozava de tal poder entre elles que todos lhe obedeciam.

Aproveitou-se o diabo de tal ensejo para seduzir e enganar esta populaça, ensinando ao feiticeiro o que devia dizer-lhe para elle ir tomar posse d’uma terra, onde tudo, facil e sem trabalho lhe appareceria á medida de seos desejos.

Esta nação, tão cheia de prejuisos, seguio este desgraçado, não intermediando muito tempo sem conhecer a zombaria do espirito do conductor, porque falleceram milhares, e acharam-se no meio de vasta floresta, dançando constantemente, como elle lhe ordenou, até que chegasse o Espirito para lhe indicar o lugar procurado.

Ahi achou-se o Sr. de la Ravardiere, demonstrou-lhe seo engano, o que reconhecido, seguiram-no e embarcaram-se em seos navios com destino á Ilha do Maranhão, onde algum tempo depois um miseravel francez tendo uma questão com o Principal d’essa gente, para vingar-se, instigou os Tupinambás a matal-a, subindo esta carnificina a cem ou á cento e vinte, entre mortos e prisioneiros.