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Cinco mezes estivemos no mar soffrendo encommodos, que só podem avaliar os que por elles já passaram, e como o Sr. de Rasilly, por estes dois ou tres mezes, regressa á França afim de trazer-nos novos auxilios, reservamos-nos para n’essa occasião descrevermos mais amplamente o resultado da nossa viagem, tanto no mar como em terra, n’este novo Mundo.

Aproveitamos agora a occasião para dizer-vos e muito ás pressas, que para aqui chegarmos foi necessario partir de Caucale, porto da Bretanha, e já estando d’elle distante dusentas legoas do mar levantou-se grande tempestade, que separou os nossos tres navios, uns dos outros, causando admiração, até mesmo aos nossos melhores pilotos, o não ter algum d’elles naufragado.

Quiz Deos porem livrar-nos d’esta desgraça, e encontramos dois de nossos navios, arribados em Inglaterra, d’onde vos escrevemos, e creio que já estareis de posse das nossas cartas.

Na segunda-feira de Paschoa partimos de Plymouth,[NCH 111] na Inglaterra, e navegamos sempre com bom tempo, menos alguns dias na costa de Guiné, mui perigosa pelas molestias do paiz.

Sahindo de Plymouth auxiliou-nos vento tão favoravel, que em pouco tempo passamos as Ilhas Canarias, por entre as ilhas Boa Ventura e Canaria grande, vistas por nós perfeitamente.

Das Canarias ganhamos a Costa d’Africa no Cabo do Bajador, sempre navegando pela Barbaria: de Bajador desviamos-nos da Costa d’Africa até o rio chamado Lore pelos hespanhoes,[NCH 112] e perto d’elle fundeamos: sahindo d’ahi ainda nos desviamos da Costa d’Africa até o Cabo branco, lugar bem debaixo do tropico de Cancer.

D’este Cabo procuramos a Costa de Guiné, passando entre as ilhas do Cabo verde, o proprio Cabo verde lugar perigosissimo pelas molestias contagiosas, ahi reinantes em certas estações do anno: esta molestia ataca as gengivas de tal