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Quatrocentas ou quinhentas legoas nada são para elles quando vão atacar seos inimigos e fazel-os escravos. Com quanto sejam por naturesa timidos e medrosos, nos combates ganham calor, não abandonam o campo, e quando perdem as armas pelejam com unhas e dentes.

Suas guerras são feitas, pela maior parte por surpresa e astucias; ao romper do dia assaltam seos inimigos dentro de suas aldeias: salvam-se de ordinario os que tem boas pernas, sendo aprisionados os velhos, as mulheres, e os meninos, e condusidos como escravos para as terras dos Tupinambás. Tambem sob o pretexto de negocio, vão elles pelas praias, onde moram seos inimigos, promettem-lhes muito, mostram-lhes suas mercadorias em caramemos ou paneiros, onde arranjam o que tem de melhor, e quando os veem entretidos, lançam-se sobre elles, pobres ingenuos, matam uns, aprisionam e captivam outros: por este motivo todas as nações do Brasil, desconfiam d’elles, julgam-nos traidores, e nem querem sua paz.

São muito afoitos quando estão com os francezes, e querem que estes vão sempre adiante, e se acontece voltar um francez para traz, ninguem corre melhor e mais veloz do que elles. D’isto se conclue quanto valle a opinião que se forma de certas pessoas, que não passa de uma loucura e vaidade d’este mundo, acontecendo muitas vezes ficarem atraz os bons e virtuosos ou serem queridos e levados os viciosos e corrompidos.

Indaguei e procurei saber muito o modo como se preparavam para a guerra, não me contentando só com as informações.

Em primeiro lugar as mulheres e as suas filhas preparam a farinha de munição,[NCH 13] e em abundancia, por saberem, naturalmente, que um soldado bem nutrido valle por dois, que a fome é a coisa mais perigosa n’um exercito, por transformar os mais valentes em covardes, e fracos, os quaes em vez de atacarem o inimigo, buscam meios de viver.