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ssoas, mais da metade mulheres. Sobre uma velha cômoda, um lampião mal a iluminava; os círios bruxuleavam. Gonzaga de Sá atravessou-a e foi sentar-se perto da sogra do compadre que chorava. Era uma preta retinta, de uma pele macia de veludo. Fiquei em pé, perto da porta de entrada. Havia um silêncio completo, de quando em quando um soluço da pobre mulher quebrava-o lugubremente. A gratidão devia ser grande. Aquele homem agora morto lhe dera as mais gratas satisfações de sua vida humilde. Casara com a filha, apoiara com o seu prestígio de homem a sua fraqueza de condição de menina, arrebatara-a ao ambiente que cerca as raparigas de cor, dignificara-a, ela, a quem quase todo o conjunto da sociedade, sem excetuar os seus iguais, admitem que o seu destino natural é a prostituição e a mancebia. Do outro lado, lá estava o neto. A testa reta, ainda mal desenhada pela idade, as sobrancelhas arqueadas e unidas, o seu olhar perfurante — toda a fisionomia da criança tinha uma expressão de inteligência, de curiosidade e de energia que a sua doçura nativa havia de diminuir. Que seria dele, por aí, pela vida? Sob a ascendência do padrinho, estudaria muito, aplicar-se-ia aos livros. Durante anos no ambiente falso dos colégios e escolas, a sua