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Arrependo-me!... Vênus é uma deusa vingativa!

Gonzaga estava desvairado; nunca o vira com aquelas feições, com aquela violência de linguagem. Ele se tinha erguido da cadeira; os cabelos se desfizeram; e, na mão esquerda, erguia o cigarro como uma tocha de incendiário.

— Gonzaga, sê clemente! Perdoa!

Não me respondeu e sentou-se. Lá fora, começava a correr uma branda viração, a cujo impulso a palmeira inclinou-se para o nosso lado. Na parede, todas as figuras da alegoria da Primavera pareciam olhar o meu inolvidável amigo; a cegonha de bronze como que esticou um pouco mais a cabeça e, no alto do portal, o mocho juntou mais os olhos, como se se espantasse com aquela atitude de Gonzaga de Sá. Todos aqueles seus companheiros de tantos anos se admiravam da brusca revolta. Eles se haviam surpreendido como eu, apesar de tudo. Compreendi, então, que o temperamento de Gonzaga era de fortes paixões; que a ironia tinha disfarçado a mágoa de não achar onde aplicá-las, e surdas efervescência de raiva deviam viver sepultadas no seu íntimo. Na forte compreensão da dignidade de sua pessoa, e no avassalador orgulho