Pastoral aos crentes do amor e da morte (1923)/Minh’alma é a torre de uma egreja

VII

Minh’alma é a torre de uma egreja:
Passa de lucto o sacristão...
A coruja que nella adeja
E’ o meu proprio coração.

E o sacristão que nunca dorme
(E’ um esqueleto que não conheço.)
Sobe a escadaria enorme
Que não tem fim nem tem começo.

Sobe e põe-se lá de cima,
Como dolente trovador que é,
A dizer versos onde a rima
E’ a uncção de um peito cheio de fé.

São psalmos tristes, mortuarios,
Profundas preces de penitencia.
Surgem imagens de calvarios,
No fim de cada uma existencia.

Matinas, vesperas, completas,
Soluçam na sua voz.
Seguem-se horas de silencio, inquietas,
De uma agonia atroz.

E o sacristão, todo de preto,
Beija o retrato de uma dama.
E’ bem gentil este esqueleto
Fazendo um gesto de quem ama.

Só neste instante é que, fitando
Os finos ossos que Deus me deu,
Me reconheço no miserando
Espectro vil: sou eu! sou eu!

Quando morre quem quer que seja,
O sacristão põe-se a rezar.
Minh’alma é a torre de uma egreja,
Que tem um sino sempre a dobrar...