Suspiros poéticos e saudades (1865)/Porque estou triste?

Ah! não queiras saber por que suspiro;
Por que geme minha alma, como a rola,
Que outro canto não tem senão queixumes,
Com que magoa os ares.

Ah! não me inquiras... Se chegar tu podes,
Ao través de meus olhos, à minha alma,

Verás que o rosto meu assaz explica
O que nela se passa.

Dirás, talvez, que injusto me lastimo;
Qu'inda possuo um pai, qu'inda mãe tenho,
Qu'inda um amigo aperta-me em seus braços,
E proscrito não erro.

Mas que importa tesouros tais possua,
Se gozá-los não posso? Se na ausência,
Da saudade o farpão continuamente
O peito me trespassa?

De gota em gota o matutino rócio
Enche, e pende do lírio o débil cálix,
Que oprimido co'o peso se lacera,
Desbota, e alfim falece.

Uma gota após outra um lago forma,
Novas gotas de chuva o lago aumentam,
Transborda enfim, e dá a um rio origem,
Que nas planícies rola.


Eis de meu coração a fida imagem.
Repetidos pesares pouco a pouco,
Males amontoados desde a infância
A existência me azedam.

Procuro embalde no festim da vida
Um lugar para mim. Se uno meu canto
Ao hino de alegria, a voz me falta,
E o coração suspira.

Oh Ancião de Téos, feliz foste;
Por amores contavas os teus dias!
Dias ditosos! Eu os meus numero
Só pelos meus pesares.

Mal vibravas da lira os fios de ouro,
Para de heróis cantar preclaros feitos,
Em vez de ressoar de Atride o nome,
Amor, dizia a lira.

E eu, oh destino! se de Amor intento
Terno o nome entoar, rebelde a lira

Só suspiros exala, e as cordas gemem
Ao toque de meu dedo.

Suspirar, suspirar... Tal é meu fado!
Por que o céu fez-me assim? Ao céu pergunta,
Por que deu ele ao sol ígneos fulgores,
E palidez à lua?

Enquanto o sabiá doce gorjeia,
Gemem na praia as merencórias ondas;
E ave sinistra, negra esvoaçando,
Agoureira soluça.

Ao lado do cipreste verde-negro,
Desabrocha a corola purpurina
A perfumada rosa; e junto dela
Pende a roxa saudade.

Eleva-se a palmeira suntuosa,
E desdobra nos ares verdes leques,
E perto da raiz, à sombra sua,
Definha humilde arbusto.


Eis da Natura o quadro! Isto harmonia,
Isto beleza, e perfeição se chama!
Eu completo a harmonia da Natura
Co'os meus tristes suspiros.

Vê agora se à lei posso eximir-me
Que a suspirar me obriga?... Oh alma minha,
Arpeja a que possuis, única fibra,
Exala teus suspiros.


Turim, 15 de maio de 1835