Rosa, rosa de amor (1902)/Primeira sombra

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— Mal me quer... bem me quer...
                        — Será preciso
Que uma flor assegure o que digo e tu vês ?
 O meu olhar, poisando em teu sorriso,
Mostra-te que és amada e adivinha que o crés.

— Mal me quer... bem me quer...
                        — E, commovida,
Tremes, como esperando uma sentença atroz...
 Suppões que espalhe a noite em nossa vida
A sombra de uma flor perpassando entre nós?

 — Mal me quer... Mal me quer... Desde, hontem quando
Faltaste, adivinhei tudo que a flor me diz.
Tenho-te junto a mim e fito-te chorando;
 Beijas-me ainda, e já não sou feliz.,

 Sinto que és meu, aperto-te em meus braços,
E, no pavor de um sonho angustiado e sem fim,
Ouço como um rumor fugitivo de passos
 Que te afastam de mim.

 Dize que estou sonhando, que estou louca!
Jura que sou feliz, que os teus dias são meus,
E que o beijo que ainda orvalha minha bocca
 Não é tua alma que me diz adeus.

 A amorosa doçura do teu verso
Echoou em minha alma; em teu verso aprendi
A soletrar o amor, o Amor — esse universo
 Radioso, immenso, e resumido em ti.

 A tua voz chamou-me ; eu escutei-a
E segui-a, ditosa, a sorrir e a sonhar...
Fala-me ainda de amor ! Não te cales, sereia
 Que me attrahiste para o azul do mar!

Minha alma, envolta em trapos de mendiga,
Vai seguindo, no chão, do teu passo o rumor.
Não me deixes! Serei a sombra que te siga,
Sem indagar onde me leva o amor.

Não me abandones! Ama-me! A risonha
Aurora inunda o céu todo afogado em luz...
Sou formosa, sou moça, amo-te... Ama-me! Sonha,
Poisada a fronte nos meus seios nús!

Que alegre madrugada cor de rosa,
Ser amada por ti, claro sol que tu és!
Eu dei-te a minha vida. E’ tua. Esbanja-a, gosa
Toda esta primavera estendida a teus pés.

Bem amado que, como um passaro num ramo,
Vieste acaso poisar o vôo no meu seio,
Não me deixes! Eu quero ouvir ainda o gorgeio
Em que teu beijo é que dizia: «Eu te amo!»