Proclamação do general Stockler aos Angrenses após a sua reintegração no cargo de Capitão-General

Francisco de Borja Garção Stockler, do conselho de Sua Majestade Fidelíssima, Tenente General dos seus exércitos, comendador da Ordem de Cristo, e Capitão-General das ilhas dos Açores:

Nobres e leais Angrenses! Se a contra revolução operada pelos valorosos soldados dos batalhões de Artilharia e infantaria desta cidade, a quem a minha presença no dia três do corrente mês acabou de determinar ao heróico esforço, com que salvaram a sua pátria dos horrores da anarquia e lavaram uma grande parte dos seus Camaradas da vergonhosa mancha, que momentaneamente haviam contraído, deixando-se seduzir pelos artifícios da perfídia; se esta pasmosa reacção política e militar, talvez sem exemplo nos anais das nações civilizadas, restituiu a ordem civil, e regularidade da administração do Estado, nem por isso tem ainda restabelecido a pública tranquilidade. Os soldados que em triunfo me levaram ao castelo de S. João Baptista, ainda não consideram a minha pessoa segura, e ao abrigo de novas traições, senão dentro naquela fortaleza, e rodeado de seus valentes braços. Receios muito gerais que os bons não ousam ocultar-me, e avisos sérios, por muitas partes repetidos, me anunciam, se não a existência provada, ao menos a desconfiança prudente de que existem com efeito atraiçoados projectos, tendentes a precipitar-vos de novo no abismo da desordem, privando-vos, por meio de um aleivoso assassínio, do único ponto político da balança pública deste Estado, e do único centro de reunião de vossos generosos esforços.

Sem acreditar absolutamente, nem temer como homem, estes funestos anúncios e melancólicas desconfianças, cumpre-me contudo, como vosso general e vosso governador político, tomar as necessárias medidas para que, se não cobardes sentimentos, tão vis e infames ideias tem com efeito entrado em alguns ânimos depravados, não hajam de afectar a ordem política, nem tornar vacilante a pública segurança. É com este prudente e justificado intento, que eu vos anuncio hoje, ó angrenses, por meio desta proclamação que o vosso general permanece constante no sistema de humanidade, moderação e brandura que adoptou desde que apareceu entre vós. Que fiel aos sentimentos de consideração, de que vos tem dado sobejas provas, está determinado não só a dar aos réus todos os meios de defesa, que as leis civis destes reinos lhes permitem, mas a implorar em favor de todos a clemência do nosso beneficentíssimo soberano, a fim de moderar-lhes as penas em que se acham incursos. Porém, angrenses, é preciso que saibais que a clemência é uma virtude enquanto se aplica a moderar o carácter dos criminosos, mas que deixa de o ser logo que, segurando a impunidade, só serve de animá-los a cometer efectivamente novos crimes. Para que os réus se qualifiquem dignos de clemência, é mister que deixando de relutar as leis, se mostrem submissos às suas determinações: e portanto, cumpre-me advertir-vos, para inteligência dos que tendes relações de parentesco ou aderência com alguns dos culpados, que todas e quaisquer tentativas para subtraí-los ao castigo, por meios que as leis reprovam, são novos crimes que se acumulam aos primeiros, e que só devem servir para agravar-lhes as penas ou para fazê-las extensivas a todos os que se abalançam a tão repreensíveis intentos.

Eu vos declaro portanto que a continuação de indícios de projecto, que possam por de novo em risco a segurança e a tranquilidade pública, facilitando a evasão de qualquer dos culpados, será motivo suficiente, para que eu, retirando a protecção das leis civis daqueles que por seus procedimentos a renunciam de facto, me limite em seus processos simplesmente ao direito nacional. Sabei pois, é angrenses, que se os réus, ou seus aderentes, continuarem em procurar meios de comunicar-se clandestinamente entre si, ou se ao meu conhecimento chegarem indícios veementes de projectos perigosos por qualquer deles traçados, organizarei sem demora uma comissão militar, aonde sejam sumariamente julgados, e em consequência de cujas sentenças sejam imediatamente punidos. — Firmar a segurança do Estado sem ofensa dos princípios de direito natural, é, no nosso conceito, o primeiro dos nossos deveres.

Tenho-vos manifestado os meus sentimentos: reflecti sobre as minhas razões, fazei-vos dignos pela vossa fidelidade e constância, da confiança do vosso soberano; e da estimação e respeito, não só dos homens que hoje vivem, mas da posteridade inteira.

— Angra, 9 de Abril de 1821. Francisco de Borja Garção Stockler, Governador e Capitão-General.