Na última noite de carnaval do ano de 1863, houve em um dos hotéis desta boa cidade do Rio de Janeiro uma lauta ceia que durou até ao raiar do dia. Os convivas saíram a pouco e pouco, e foram uns a pé, outros de carro, a caminho do respectivo domicílio.

O último que saiu do hotel era um rapaz magro, alto, franzino na aparência, mas dotado de grande vigor de pulso, como alguns durante a noite e o baile tiveram ocasião de experimentar. Saiu um tanto trôpego, já pelo cansaço, já pelo vinho, e aos olhos não espantados das quitandeiras que passavam para o mercado, dos varredores das ruas e dos entregadores de jornais, foi tomando a direção da casa, que era no fim da Rua da Ajuda.

Justamente no ponto em que se cruzam as ruas da Ajuda, Ourives, S. José e Parto, o nosso tardio conviva deu com o pé num objeto; abaixou-se para ver o que era; era uma carteira. Olhou em volta de si; as ruas estavam desertas; nas lojas abertas, ninguém havia que o pudesse ver. Meteu a carteira no bolso e seguiu para casa.

O moleque já o esperava acordado, depois de ter dormido em santa paz a noite anterior. O moço subiu as escadas lentamente, despiu-se, e antes de se entregar às delícias do sono, examinou a carteira e o conteúdo.

A carteira era de couro da Rússia e fechada por uma fita de borracha. Abriu-a sofregamente e inventariou os objetos que continha:

Dois recibos de cabeleireiro.

Um de alfaiate.

Duas contas sem recibo.

Uma flor seca.

Dois cartões da barca Ferry.

Uma letra por encher.

Três advertências amargas de credores.

Três notas de dois mil-réis.

Uma carta de namoro.

Aparentemente eram outras tantas indicações para saber quem era o dono do achado, que não valia a pena guardar.

Engano.

As contas estavam rasgadas justamente no lugar onde devera estar o nome, e as cartas dos credores e de namoro não tinham sobrescrito.

— Leve o diabo a dono disto! exclamou o rapaz, que me fez construir tantos castelos no ar... Devia tê-lo adivinhado. O destino não me faz senão destas. José!

Veio o moleque.

— Acorda-me amanhã às 11 horas; preciso sair.

Dada esta ordem, meteu-se o rapaz nos lençóis, e o leitor pode fazer o mesmo se me está lendo de noite. Ao capítulo seguinte, saberá quem era o rapaz e o que saiu da carteira.