Coelho não saiu de casa antes das cinco horas. Gastou todo o tempo a investigar um meio de tirar vantagem da misteriosa carta, e tão depressa organizava um programa, como o achava impraticável. Se os reunisse todos em cinco atos e sete quadros, teria produzido um excelente melodrama.

Aqui, perguntará naturalmente o leitor se valia a pena gastar tanto tempo com uma carta que aparentemente não dizia nada. Perdôo à ignorância do leitor esta pergunta infundada, e passo a resumir as razões que justificam no meu herói as longas horas de meditação a que se entregou.

Lúcia Soares era uma moça de vinte e dois anos, sobrinha da mulher de Zózimo Ypsilanti, e universal herdeira de ambos. Ypsilanti passava por ter uma grande fortuna; aparentemente, tinha muito pouco, e havia quem lhe não desse quinze contos por tudo; mas a maioria do povo dizia que Ypsilanti era senhor de duzentos contos bem puxados. Os hábitos de avarento davam alguma verossimilhança a este boato; vestia mal e grosseiramente; gastava pouco, regateava muito e não dava nada a ninguém. Se fosse pobre, se ao menos a opinião o julgasse tal, aquilo seria refletida economia; mas, com a fama de rico de que ele gozava, a economia era pura avareza.

Ora, se a riqueza fazia de Lúcia uma das três Graças, a natureza tinha-a feito uma das três Fúrias. Uma testa curtinha, uns olhos vesgos, pequenos e apagados, um lábio superior oblíquo, umas faces grossas, tais eram os dotes negativos que recebera do berço. A inteligência era como os olhos, vesga, pequena e apagada. A educação, porém, fora algum tanto esmerada. Lúcia tocava piano, sabia muitas coisas de costura, desenhava bem e falava corretamente a língua francesa.

Deram-lhe tais prendas os pais, que desse modo quiseram emendar a natureza, e deixar-lhe alguma herança real. Era órfã desde a idade de 17 anos, e vivia com os tios, que a amavam e procuravam fazê-la feliz.

Coelho já a conhecia de algum tempo; estivera com ela numa reunião em que lhe disseram que Lúcia seria senhora algum dia do melhor de duzentos contos de réis. Infelizmente, estava o nosso mancebo à busca de outra herança de algarismo igual, com a diferença que a dona em questão era excepcionalmente bonita.

Coelho sabia perfeitamente que a riqueza deve rimar com a beleza, e ainda não compreendia naquele tempo o verso solto. Agora, porém, que se achava desenganado de achar o casamento, já se contentava com uma toante e a sobrinha do grego era justamente o que lhe convinha.

De que maneira, porém, conseguiria ele, com o auxílio de uma carta, entrar na posse dos bens de Ypsilanti?

A sua primeira idéia foi menos ambiciosa. Sabendo que o tio de Lúcia era um velho irritável e severíssimo, lembrou-se de ir ameaçar o namorado de Lúcia, e restituir-lhe a carta mediante recompensa. Este meio, porém, pareceu-lhe indigno, e foi posto de lado.

Às cinco horas, nada tinha resolvido; saiu para jantar no hotel; e teve a felicidade de não encontrar conhecido. Enquanto comia, pensava no caso. Ao meio do jantar, trouxe-lhe o criado um jornal para ler.

Recusou.

— Quer alguma ilustração?

— Não quero nada.

Dizendo isto, arredou os jornais com a mão. Nesse momento, porém, leu o título de um capítulo do folhetim que um dos jornais estava publicando.

O título era: — De noite, todos os gatos são pardos.

— Ah!

Este grito soltado por Coelho chamou a atenção dos fregueses e dos criados da casa. Um destes correu assustado para ele e perguntou se se engasgara com algum osso. Coelho observou-lhe que, estando a comer ervas, era humanamente impossível engasgar-se com um osso, e pediu-lhe polidamente que o deixasse acabar de jantar.

A razão do grito é clara: o provérbio era um raio de luz.

— De noite, todos os gatos são pardos, repetia ele consigo; irei ao jardim de Lúcia em lugar do namorado... e o resto à sorte.

Tendo adotado um plano, dispôs-se a jantar com mais tranqüilidade. Comeu e bebeu à larga, pediu charutos e café, recostou-se na cadeira, e esperou que a digestão se fizesse em boa paz.