Coelho respirou apenas se viu só. Repetiu ao moleque a ordem que lhe havia dado e preparou-se para dar boas notícias à noiva.
Logo nessa noite, estando com ela, falou na estranha visita que lhe fizera Alves.
— Sabes quem foi hoje à minha casa?
— Quem foi?
— O Carlos Alves.
— Ah! disse ela empalidecendo.
— Não o recrimino por isso; sei que foi o teu primeiro namorado. Quero só dizer-te que escapaste de uma infâmia.
— Como?
— Aquele homem não era digno de ser teu marido, continuou Coelho; era um infame. Se soubesses o que praticou comigo...
Lúcia estava perturbada com o assunto da conversa.
— Falemos de outra coisa, disse ela.
— Compreendo o teu melindre, e respeito-o. Depois de casado, contar-te-ei tudo. Não imaginas... Queria casar contigo por interesse.
Lúcia arregalou os olhos.
— Deveras? disse ela.
— É verdade; teve o descaramento de o confessar; é um cínico. Eu te contarei tudo depois.
A conversa não passou além.
Correram os dias sem novidade. Aproximou-se o dia do casamento. Ypsilanti queria dar um banquete, que o noivo aprovou, mas a mulher e a sobrinha foram de opinião que o casamento à capucha era melhor.
— Pois vá à capucha, disse o grego.
Na véspera do casamento, o noivo deu parte a dois ou três amigos íntimos, e foi dar a última vista de olhos na casa. A casa estava ornada com certo luxo, para o qual teve Coelho de pedir algumas somas emprestadas. De noite, foi à casa da noiva, mas voltou cedo para descansar e dar umas últimas providências.
Não se admirou pouco de ver a sala com luz, coisa que não havia durante a sua ausência.
— Há de ser alguma visita, pensou ele.
Subiu as escadas.
Céus!
Era Alves!
O ex-namorado de Lúcia estava assentado no sofá brincando com uma bengala. Defronte dele estava o moleque pedindo-lhe que saísse.
— Entra a propósito, disse Alves, o seu moleque conhece pouco os deveres de hospitalidade. Quer pôr-me fora daqui. Diga-lhe que é uma grosseria.
Coelho fez um sinal ao moleque, que se retirou.
Apenas ficou só com o ex-rival, disse:
— Sr. Alves, há de convir que isto vai passando os limites, não estou disposto a sofrer as suas importunações, já lhe disse que...
— O senhor disse-me que não me daria os dez contos de réis, cuidei que estava brincando, porque, na situação em que o senhor se acha, só por brincadeira pode dizer uma monstruosidade de tal calibre. Os dez contos hão de vir ter às minhas mãos.
— Ameaça-me?
— Não ameaço; discuto. Não quer pagar-me a indenização que lhe peço? É um desejo impossível de satisfazer. Vou dizer a razão.
E metendo a mão no bolso tirou um papel.
— Sabe o que é isto?
— Não.
— É uma carta.
Coelho levantou os ombros.
— Uma carta de sua noiva.
— Ah!
— Se o senhor me não der o dinheiro, publico-a.
— Mas isto é uma...
— É uma defesa. Quer ler a carta?
Coelho fez um gesto de recusa.
— Há de confessar, disse este, que o senhor é muito infame!
— Mais talvez do que o senhor pensa; disse tranqüilamente Alves; não tenho só esta carta; tenho mais trinta e sete cartas, cada qual mais ardente. Imagine o efeito desse regimento epistolar em letra redonda. É coruscante.
— Basta, disse Coelho; sacrifico-me, já que é preciso. Que condições quer?
— Já lhe disse: dez contos de réis a pagar daqui a dois meses. Trago a letra.
— É previdente.
— A previdência é a mãe da vitória.
Alves tirou do bolso uma letra, que ali mesmo encheu, e Coelho assinou trêmulo de raiva.
— Adeus, meu caro Sr. Coelho. Ainda havemos de ser amigos.
Coelho não disse palavra.
Alves saiu saltitante e alegre.
A noite do pobre noivo foi atribulada.
O dia seguinte, porém, desfez as más impressões da noite. Sorria-lhe a idéia de que a fortuna mudava enfim. A felicidade foi mais completa; logo de manhã recebeu a visita do Alves, ia dizer-lhe que apenas recebesse os dez contos de réis, receberia as trinta e sete cartas de Lúcia.
A cerimônia do casamento passou-se sem novidade. Todos estavam alegres como é de costume nesses dias. O velho Ypsilanti parecia haver recobrado a pouca alegria que tinha outrora; estava brando como uma cera, esfregando as mãos, piscava os olhos, todo ele era ventura e prazer.
Que direi eu da noiva, que não seja sabido por quantos têm assistido a um casamento? Estava acanhada, modesta, reservada, mas no fundo do seu coração era imensa a alegria.
Não menos feliz estava Coelho. A mulher era positivamente um dragão, mas em compensação era herdeira de um bom par de contos de réis. Este era o principal objeto do amor do rapaz.
Não admira, pois, que todo entregue às delícias do noivado, o nosso Coelho de todo esquecesse o seu singular credor. Correram as semanas sem ele dar por elas. No fim de dois meses, bateu-lhe Alves à porta.
Coelho estremeceu quando o viu entrar.
— Venho para cobrar a letra que me deve, e que se vence amanhã.
— Bem, disse Coelho, venha amanhã.
— A que horas?
— Às dez horas.
— Cá estarei. Passe bem.
— Passe bem.
E saiu Alves.
Coelho correu à casa do sogro.
Explicou-lhe com franqueza que devia pagar uma letra.
Ypsilanti respondeu:
— Não lhe posso dar o dinheiro que me pede.
— Mas, senhor...
— Não lhe posso dar o dinheiro que me pede.
Coelho começou a irritar-se.
— Mas, senhor, esta dívida de honra, fi-la para salvar o decoro do seu nome.
E explicou-lhe tudo.
— Céus! exclamou o velho; será verdade isso que me diz?
— Puríssima verdade.
Ypsilanti levantou os braços com desespero:
— Oh! meu Deus! meu Deus!
— Que é?
— Mas eu não tenho dinheiro; não sou rico como o senhor pensa; todos os meus haveres andam por oito contos.
— Ah! exclamou o rapaz petrificado.
Imagina-se o desespero do pobre rapaz quando soube do logro em que caíra.
E o logro era talvez o menos; o risco em que se achava com a dívida que contraíra era o pior, — sem falar na que fez para montar a casa.
Correu para a casa furioso; a mulher foi a primeira que pagou as favas.
Tudo se arranjou entretanto. Alves, sabedor das desgraças de Coelho, pela confissão que este lhe fez, houve por bem perdoar-lhe a dívida.
— Pago com dez contos, disse ele, o risco de que o senhor me livrou.
Coelho estava desesperado; julgou ter dado um grande golpe na má sorte financeira, e fora vencido por ela; estava mais pobre que dantes. Ficara-lhe só o amor.
Um dia, seis meses depois de casado, e feliz, contou ele à mulher toda a cena da carteira, e perguntou-lhe por que razão o aceitara tão facilmente para marido, sabendo que não era ele o namorado.
Lúcia respondeu ingenuamente:
— Porque você era mais bonito.