Na república das letras não há menos vaidade que na república das armas; sim é uma vaidade metafísica, espiritual, e que na sua origem tem uma existência vaga, e inconstante; mas por isso mesmo é mais vã do que outra nenhuma vaidade. O seu objecto, são os discursos, e a disputa, objectos sem corpo, vãos por natureza, e por instituto. O campo desta vaidade é a imaginação: campo vasto ainda quando é infecundo; e que brota lírios, e violas, quando não produz rosas, e assucenas. Assim que entramos no mundo, entramos também a defender a nossa opinião; neste combate se passa inteiramente a vida: a guerra do entendimento não tem fim senão connosco; guerra feliz em que ninguém fica vencido, ou ao menos em que ninguém crê que o foi, e em que cada um pela sua parte canta a vitória! A razão nos arma contra a razão mesma; cada um cuida que a tem por si, que a vê, que a toca, e que a conhece; sendo que quási sempre, o que temos por razão, não é mais do que uma sombra dela, e ainda essa mesma sombra é tão escura, e escondida, que quando a encontramos, é mais por sorte que por experiência, e mais por acaso que por estudo. O ter ou não ter razão, é verdadeiramente a guerra em que se passam os nossos dias, e os nossos anos. O não ter razão argue vício na vontade, ou erro no entendimento: que defeitos estes para que a vaidade os reconheça?