Nos Príncipes é virtude, uma vaidade bem intendida; e discorre santamente um Rei, quando se desvanece da qualidade de ser justo: há vícios necessários em certos homens, assim como há virtudes impróprias em outros. Os soberanos sendo a fonte da justiça, são os que mais injustamente são julgados: os mais homens são ouvidos, os Príncipes não; todos os julgam, e ninguém os ouve; como se a preeminência da dignidade os fizesse incapazes, ou indignos da defesa: o julgar por este modo aos Reis, é sacrilégio, porque a traição é maior aquela que se dirige à fama, que a que conspira contra a vida; esta nos Monarcas é-lhes menos importante, que a memória; a existência deve ser-lhes menos preciosa do que a fama: com a vida se acaba o respeito, a grandeza, e o poder, mas não acaba a reputação; o túmulo não encobre, nem a ignomínia do nome, nem o esclarecido, porque nos Príncipes nunca acaba a glória, nem a infâmia: o breve espaço de uma urna basta para esconder as cinzas de muitos Reis; porém por mais que as confunda a morte, a história as separa e as divide: a tradição anima essas mesmas cinzas; umas para honra da natureza, outras para horror da posteridade.