Revista da Exposição Anthropologica Brazileira/M. M. F. Poe. 7
Uyáras
Travesso menino,
Do fundo das águas
Que em flocos se ameigam dos juncos ao pé,
A’s vezes s’escuta na gueixa do rio
Um canto macio.
De quem.... não se vê.
O canto se estende ; mais doce que as moitas
Que dormem silentes ás luzes do céo.
Se acaso o barqueiro que vai na jangada
Lhe escuta a toada,
Meu Deos, se perdeu !
Travesso menino,
Não sabes ainda ?
Alli as Uyáras se occultam reveis...
São ellas as moças que vivem cantando,
Crianças roubando,
São moças cruéis!
São alvas, mais alvas que o dente das antas,
Mais louras que a pelle das onças... são bellas!
Se alguém as descobre na molle corrente,
Lá some-se a gente,
Lá somem-se ellas!
Nas noites de lua resvalam fugaces,
Quaes nevoas douradas, nas águas azues !
E ao collo suspenso nas ondas bem mansas
Enroscam-se as trancas
Quaes serpes de luz.
E ellas entoam cantigas tão meigas
Que o echo dos valles acorda veloz ..
Mas foge, menino, de ouvires das fadas
Gentis, encantadas,
Um hymno, uma voz!
—« Eu tenho aqui mil palácios
Todos feitos de coraes,
Seus tectos são mais formosos
Que a coma dos palmeiraes.
Infante que vais no monte,
Deixa o teu pouso d′além ;
Eu sei historias bonitas...
Vem!
Quando nas cestas d’espuma
Sigo á tôa até o mar,
As princezas que morreram
Descem na luz do luar...
Jangadeiro que murmuras,
Eu sou princeza tambem;
O rio está na vasante...
Vem!
Minhas escravas são virgens
Loucas, esveltas, morenas;
Tém mais ternura nos olhos
Que orvalho nas açucenas.
Jangadeiro, a noite é fria,
Tem máo assombro o sertão;
Minhas escravas são lindas...
São!
Tenho collares de per’las,
Harpas d’ouro em que descanto;
Governo a luz das estrellas,
Pára o luar ao meu canto.
Infante, a choça é deserta,
Ninguem te espera lá não:
Minhas historias são bellas...
São ! »
E assim ellas levam ás grutas sombrias,
A’s grutas medonhas dos rios, do mar,
Aquelles que ouviram seus cantos á noite.
Distantes do fogo querido do lar.
Ouviste, menino ?—Não corras do rancho,
Que alli as Uyáras se occultam reveis;
São ellas as moças que vivem cantando
Crianças roubando,
São moças crueis!

Esta obra entrou em domínio público no contexto da Lei 5988/1973, Art. 42, que esteve vigente até junho de 1998.

