SOBRE
A SOCIEDADE EM GERAL
NO
RIO DE JANEIRO
E
SEUS MELHORAMENTOS MATERIAES
SEGUNDO A ORDEM DO DIA
1 Tudo marcha com progresso
Jámais visto n'outra idade;
Já não é quem era d'antes
A nossa sociedade!
2 Temos homens eminentes
De fama e nome sem par,
Temos grandes oradores
Té sem saberem falar.
3 A patria era pequenina
Depressa grande ficou,
Até a Europa inteira
Com a politica abysmou!
4 Acordou da lethargia,
Um exercito creou,
Té em menos de anno e meio
Uma marinha formou.
5 Tonelero vio os bravos,
Os bravos de nossa armada,
Para quem o brio é tudo,
Para quem a morte é nada.
6 E lá em Monte Caseros
Nossos bravos corajosos,
Derrotaram os tyrannos
Só de sangue sequiosos.
7 Que alguem disso se envergonhe
Para mim é mais vergonha,
Que a patria sahio-se bem
De voragem tão medonha.
8 Escriptores não nos faltam
Que os centos já veja eu,
Parabens á patria amiga,
Que já tantos sabios deu!
9 Não ha dia que eu não veja
Poesias nos jornaes,
Que são boas como prosas,
Pois são versos naturaes.
10 Tudo vai a progredir
Com progresso jámais visto,
Eu pasmo vendo o que vejo
Por este mundo de Christo.
11 O contrabando africano
Emfim na patria acabou,
Da emigração livre e bella
A hora tambem soou.
12 Os capitaes que se iam
Na vil especulação,
Em prol da patria querida
Já empregando se vão.
13 Não se fala hoje em dia
Senão em melhoramentos,
E todos são palpitantes
Para os nossos soffrimentos.
14 Quer-se uma estrada de ferro
Tão grande como o Brazil,
A cousa vai por ensaio!
E' cousa ainda infantil.
15 Barcos, barcas de vapor
Já coalham os nossos mares,
Já trazem com fresca data
Noticias de estranhos lares.
16 Até docas fluctuantes
Vão aqui apparecer;
Havemos por força, eu juro,
Ver a marinha crescer.
17 Estradas até normaes
Já vão ao cume da serra,
A' bibocas e ás florestas
Levando soberba guerra.
18 Que minha avó fosse viva
Para ir ao córgo secco!
Havia pasmar de certo,
Que eu em exagerar não pecco.
19 Veria um bello caminho
Como cobra ou caracol,
Ir subindo até o cume
Onde tem seu throno o sol.
20 E isso faria de carro,
Repimpada n'almofada,
E lá veria cora pasmo
Uma cidade encantada!
21 Bellos casaes, claras aguas
Por entre rica verdura,
Trepando montes as casas
De simples architectura!
22 Lá não veria essa gente
Que a natureza vestio
De um luto sem fim, eterno,
Quando em sangue se tingio!...
23 Mas veria alvas, rosadas
Bellas filhas da Allemanha,
Ouvindo os nomes da patria
Na terra nova e estranha.
24 Oh! que progresso tão bello
Ver, em vez da côr escura,
Bellas moças, lourazinhas,
E da mais pomposa alvura!
25 E vendo-as pelas campinas
Ou á fonte, ou junto ao rio,
Pensaria estar na patria
Do Allemão sensato e frio!
26 D'antes os nossos avós
Tinham só as cavalhadas,
Onde os Christãos e os Mouros
Faziam hespanholadas.
27 Hoje o Prado Fluminense
Ostenta ricas corridas
De cavallos e de carros
Que são tanto concorridas!
28 D'antes quem ficava doudo
Tinha a sua habitação
N'um cubiculo terrivel
De cruel recordação.
29 Hoje póde estar seguro
Que ha de ser mui bem tratado
N'um palacio magnifico
Que até parece encantado.
30 Valha-nos ao menos isso,
Que a vaidade é só loucura,
Ah ! tenhamos na doudice
Ao menos doce ventura!
31 A reforma é para tudo,
Nem o mais alto tribunal
Escapa, que reformado
Fica o que é nacional.
32 Temos tudo! chega a febre;
Eis a junta de saude,
Só com o seu nome hygienico
Se oppõe ao estrago rude !
33 Temos bailes mascarados,
Como os tem a velha Europa,
Té para maior progresso
De lá mesmo vem a roupa.
34 D'antes um grande theatro
Dava muito que fazer,
Hoje n'um triz se alevanta
Que é mesmo um gosto isto ver.
35 Apenas lá na capella
Se ouvia cantar de graça
Essa gente sem ser gente
Por sua triste desgraça.
36 Hoje temos os cantores
Do velho mundo afamados,
Embora por fatal sina
Alguns estejam enterrados.
37 Quem se visse antigamente
Em os dias de calor!
Se limonadas tomava
Mais lhe corria o suor.
38 Hoje tem tantos recursos,
Que causam a gente espanto;
Bebe neve ou sorve gelo,
E isto tudo por encanto!
39 Se quer banhar-se nas aguas,
Do mar que salgadas são,
Tem á mercê de alguns cobres
As barcas que ahi estão.
40 Se morre, não dá trabalho,
Facil é hoje o enterro,
O serviço é bem barato
Se não estou em algum erro.
41 E leva ante si cortejo
De mui ricas carruagens,
E a cavallo o escoltando
Enlutados, tristes pagens.
42 E lá nos confins do mundo
Tem uma cova no chão,
Onde o tiram os ilhéos,
Que os coveiros hoje são.
43 Ha de estranhar bastante
A falta de caridade
Que se nota nos enterros
Lá nos confins da cidade.
44 Porém tenha paciencia
Nós todos somos iguaes...
Assim tambem enterrados
São os brutos animaes.
45 D'antes as praias coalhadas
De tigres medonhos eram,
Hoje nas brancas arêas
As ondas brincando imperam.
46 Temos pontes de despejos,
Embora distantes sejam
De muitos que outras pontes
Por outras praias desejam.
47 Calçadas... oh! que calçadas
De ferro, de pedra e lama,
Que a attenção dos estrangeiros
Attrahem e nos deixam fama!
48 Antigamente eu só via
Andar-se de cadeirinha,
Hoje, como diz o Inglez,
«Tudo tem sua carrinha.»
49 Que meu avô fosse vivo,
Como não passearia
Em tantos carros da moda
Por uma ridicularia!
50 Elle que só possuia
O seu macho tão manhoso
Para ir á sua chacara
Por um caminho arenoso!
51 E se visse minha filha
Corresponder-se com flores
Sem mugir e sem tugir
Como os nossos palradores!...
52 Oh! que havia de dizer
Que o mundo tocava o fim,
Vendo tudo tão mudado
Para elle e para mim!
53 Antigamente um rapaz
Estudava e estudava,
Té que no estudo de velho
Se barbava... oh se barbava!
54 Hoje um dedo-de latim
E tres dedos de direito
Estuda uma criança, e logo
Um sabichão está feito!
55 Cabala e sahe deputado
E faz logo opposição,
Brilha, pasma, encanta tudo
Até ganhar posição.
56 Todo o mundo quer ser nobre,
Tudo aspira a figurão;
Com uma folha de papel
Faz-se de pressa um barão.
57 Eil-o já tão repimpado
Em a sua carruagem!
Anda a quatro, e eu a dois,
Sobre mim tem tal vantagem!
58 E logo e logo elle adquire
Taes maneiras tão polidas,
Que fica um homem perfeito
Em as cousas mais sabidas.
59 Das irmandades alcança
Os cargos de nomeada,
Faz festas de estrondo immenso
Sem faltar a merendada.
60 No entanto quantos talentos
Ahi definhando vão!
Nossos artistas morrendo
De fome, á fome ahi estão!
61 Nem sequer nosso theatro
Ennobrece a juventude,
Honrando-o com o talento
A par da santa virtude!
62 Eu quizera ver as filhas
Do nosso rico Brazil
Ostentar na scena patria
A voz e o peito gentil.
63 Bem poderiam na Italia,
Seu tirocinio fazer,
E depois da patria terra
O orgulho e a delicia ser.
64 Mas caminhar, que vai bem
A nossa sociedade...
Nem tudo quanto é progresso
Só compete á nossa idade.
65 Aos filhos para o futuro
Fique alguma cousasinha;
Roma não se fez num dia,
Levou tempo a ser rainha.
66 Amigos! vamos ás sortes,
A's sortes de S. João!
Gastemos as bellas noites
Em que todos ledos são!
67 Se para o anno fôr vivo
Então o que não direi!
Do tinteiro aonde ficam
Muitas cousas tirarei.