Odes modernas (1875)/Livro Segundo/These e antithese

I


Já não sei o que vale a nova idea,
Quando a vejo nas ruas desgrenhada,
Torva no aspecto, á luz da barricada,
Como bacchante após lubrica ceia…

Sanguinolento o olhar se lhe incendeia;
Respira fumo e fogo embriagada:
A deusa de alma vasta e socegada
Eil-a presa das furias de Medea!

Um seculo irritado e truculento
Chama á epilepsia pensamento,
Verbo ao estampido de pelouro e obuz…

Mas a idea é n'um mundo inalteravel,
N'um crystallino céo, que vive estavel…
Tu, pensamento, não és fogo, és luz!


II


N'um céo intemerato e crystallino
Póde habitar talvez um Deus distante,
Vendo passar em sonho cambiante
O Ser, como espectaculo divino.

Mas o homem, na terra onde o destino
O lançou, vive e agita-se incessante:
Enche o ar da terra o seu pulmão possante…
Cá da terra blasphema ou ergue um hymno…

A idea encarna em peitos que palpitam:
O seu pulsar são chamas que crepitam,
Paixões ardentes como vivos soes!

Combatei pois na terra arida e bruta,
Té que a revolva o remoinhar da lucta,
Té que a fecunde o sangue dos heroes!