Ecos da minh'alma/Uma queixa

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E' um dos milagres de amor o fazer que
achemos prazer no soffrimento, e olhariamos
como a maior desgraça, um estado de indif-
ferença e de esquecimento, que nos tirasse
todo o sentimento de nossas penas.
J. J. Rosseau.


Meu Deus! porque derramaste
Dôr tamanha em minha vida?
Porque afagar me deixaste
Uma esperança querida,
Que havia ser-me arrancada,
Que tinha de ver perdida?

O porvir, que, lisongeira,
Me promettia risonho,
Porque tu me não consentes
Gozar ao menos n um sonho?
Porque o envolves em trévas,
Porque o fazes tão medonho?!

Ah! Senhor! dá-me de novo
Esses annos tão gentis,
Esses dias tão viçosos
De meus brincos infantis,
Em que eu tinha uma esperança,
Que me tornava feliz;

Que, de flôres esmaltado,
Um caminho me apontava,
O qual percorrer commigo
Fagueira me assegurava,
E conduzir-me á ventura,
Que d'elle no fim raiava!

Então eu suppunha lenta
Do tempo a fugaz carreira,
Que eu bem quizera tão rapida

Qual fantasia ligeira,
Más que tanto me afastava
D’essa ventura fagueira.

Como anhelante aguardava
O termo d’essa tardança,
Animada de continuo
Por enganosa esperança,
Em que minh’alma depunha,
Céga, inteira confiança!

E que, então, mal suspeitava
Que saudades sentiria
D'esse tempo de folguêdos,
Que tão lento parecia;
Tempo que a meiga innocencia
De prazeres me tecia.

Hoje recordo saudosa
Esses annos tão gentis,
Esses dias tão viçosos
De meus brincos infantis,
Em qu’eu tinha uma esperança,
Que me tornava feliz.

Ai! da ventura o caminho,
Que me sorria tão perto,
Vi sem flôres, sem aromas,
E só d’espinhos coberto!..
Abandonou-me a esperança,
Que p’ra mim o tinha aberto!

Esta ideia do passado
A dôr me torna mais forte;
Angustiada prantêo
Os tractos da dura sorte ;
Mas, para findar meus males,
Ao Senhor não peço a morte.

Não peço; que não n-a quero;
A morte é — tudo olvidar; —
Gêlo, que o peito entorpece,
Que o priva de palpitar;
É — termo de soffrimentos; —
Mas tambem é — não amar. —

Não, não peço; que prefiro
Tudo no mundo soffrer—
A origem de meus males

No peito apagada ter;
Quero, embora me atormente,
Este penado viver.

Sorte! sorte! si desejas
Ferir-me com mais rigor,
Contra mim teus golpes vibra,
Multiplica a minha dôr;
Priva-me embora de tudo,
Deixa-me só meu amor!


15 de Outubro de 1851.