Universidade é reunião de valores


Não sei se possa traduzir em agradecimentos, com toda a força e exatidão conotativa, o que sinto diante das palavras generosas a mim dirigidas pelo Prof. Lucilo Varejão Filho. A satisfação me é grande porque grande é a amizade que nos irmana já há muitos anos: Lucilo e eu, na segunda quinzena de junho de 1950, juntos nos submetemos a exame físico e mental e tomamos posse no cargo de Professor Assistente da Faculdade de Filosofia de Pernambuco, seis meses depois incorporada è então Universidade do Recife, hoje Universidade Federal de Pernambuco; e juntos temos estado, até o presente momento, na labuta quotidiana do ensino. Foi Lucilo que, em nome da Congregação dos Professores do Ginásio Pernambucano, também generosamente me saudou no ato de minha posse como Profesor Catedrático daquele estabelecimento, classificado que fui após batalha estafante de um concurso que, além de títulos, exigia provas e defesa de tese. E, agora, agradeço as palavras de saudação proferidas por Lucilo em nome do Conselho Universitário.

Meus agradecimentos se estendem, ainda, a todos os que aqui compareceram, cuja presença carinhosa tem para mim o significado, não só de prestigiar esta solenidade, mas sobretudo para servir-me de incentivo diante da responsabilidade do cargo em que hoje sou investido. Agradeço, igualmente, aos membros do Colégio Eleitoral Especial que confiaram em mim, incluindo-me, com seu voto sincero e espontâneo, entre os nomes que compuseram a lista sêxtupla.

Agradeço ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Gal. João Batista de Oliveira Figueiredo, e a S. Exª o Ministro da Educação e Cultura, Prof. Eduardo Mattos Portella, o haverem, sem interesse ou empenho de minha parte, escolhido para o cargo de Vice-reitor da Universidade Federal de Pernambuco.

E finalmente, agradeço a aqueles que, sem meu conhecimento e assentimento, concorreram para essa minha nomeação.


Senhoras e Senhores:

Pela própria etimologia, universitas supõe uma atividade, por meio da qual todos se voltam para um ponto, buscando atingir um objetivo, e difere do conjunto, em cujo sentido etimológico sobressai a idéia de situação ou estado. A Universidade, portanto, não deve ser um mero conjunto, no qual as unidades, situadas lado a lado, têm geralmente pouca ligação entre si. A Universidade é, antes, uma estrutura: na estrutura, as partes são unidas por uma relação de solidariedade e dependência, nãose podendo destacar uma sem alterar as outras; na estrutura, cada elemento tem uma função e um valor específicos.

A estrutura universitária não tem o caráter estático de uma obra arquitetônica: nela predomina o dinamismo, que lhe dá mobilidade, e ela, constituída de seres humanos - dotados, pois, de inteligência e vontade - admite irregularidades e exceções, estando sujeita a mudanças a fim de atualizar-se e, assim, poder acompanhar o ritmo e a dinâmica, sempre crescentes, do mundo em que hoje vivemos. Aqui seria possível aplicar à Universidade o que S. Exª o Ministro da Educação e Cultura, Prof. Eduardo Portella, conceituou quanto à obra literária: "A Estrutura tem, sem dúvida, capacidade geradora, em face das novas funções dos elementos integrantes. Os elementos renascem na estrutura, já que perdem os seus significados primitivos,para readquirirem outros no novo relacionar-se".

Partindo desses conceitos, não posso compreender, por exemplo, um tecnicismo sem humanismo, e o humanista sem ter ao lado o tecnicista, e sinto-me levado a condenar a ênfase exagerada que muitos dão, cada vez mais, ao tecnicismo, em detrimento de tudo o que for da área cultural ou de humanidades, transformando os homens em simples robôs sem coração e sem sentimentos.
No que depender de mim, não haverá espírito de parcialidades: a área de artes ou de comunicação, a de filosofia ou de educação ou de tecnologia e as várias áreas de ciências - biológicas, exatas, da Natureza, humanas, jurídicas, da saúde, sociais aplicadas - todas hão de ter a mesma consideração.

Não pretendo realizar feitos importantes: as grandes realizações, muitíssimas vezes, são a soma de atos insignificantes. Mas espero ter a habilidade necessária ao desempenho de minhas funções e que, para isso, Deus me ponha sempre nas mãos os elementos que se fizer mister para eu cumprir minha nova missão nesta Universidade, na qual até agora, há trinta anos, tenho tido como o mais alto dos ideais a educação da juventude, pois sempre reconheci - seguindo as palavras de Ruy Barbosa - que "a suprema santificação da linguagem humana, abaixo da prece, está no sentido da mocidade"; e a esse ideal continuarei ainda ligado, a partir deste momento em que passo a participar da alta direção da Universidade. Agora, certamente, me defrontarei também com decisões mais importantes a tomar. Aliás, a própria vida é um contínuo e sucessivo decidir-se entre diversas possibilidades, levando-nos normalmente a buscar um sentido axiológico na escolha da alternativa adequada. Na maioria das vezes, não conseguimos descobrir sozinhos o valor oculto das coisas: necessitamos, naturalmente, do auxílio daqueles que convivem conosco, perseguindo a mesma finalidade. Por isso, durante a realização de nossos trabalhos, a confiança em nós mesmos aumentará quando aliada à confiança em que todos os que, em nosso redor, procuram apoiar-nos.

Sem a solidariedade e o esforço comum, não pode atingir-se o fim que a Universidade, como estrutura, se propõe. De minha parte, terei problemas, grandes e numerosos, a enfrentar; mas, por outro lado, sei que posso contar, irrestritamente com o apoio dedicado e terno de minha esposa e dos meus filhos; sei também que posso confiar no espírito de cooperação e nas amplas potencialidades dos corpos docente, discente e administrativo, por quem devo ser visto como um companheiro que apenas se encontra na contingência de uma direção. Espero que todos sejam compreensivos com minhas imperfeições, já que estas fazem parte do ser humano, conforme já bem dizia o filósofo grego Platão: "Deus, ao criar o homem, fê-lo imperfeito; se o fizesse perfeito, teria feito, em vez do homem, um deus". Ninguém que pretenda fazer alguma coisa pode eximir-se da probabilidade de cometer erros, pois, segundo Roosevelt, "o único homem que nunca comete erros é aquele que nunca fez coisa alguma".

Mas poderei estar tranqüilo porque maior que a confiança em mim mesmo, muito maior que a confiança nos que me rodeiam, muitíssimo maior é a crença em um Poder, superior a todos nós, que tudo providencia - "Deus providebit" - e nos orienta os passos e as ações. Já dizia o Salmita: "Entrega teu caminho ao Senhor, confia n'Ele e Ele tudo fará".

Aceito, portanto, resignadamente a minha nomeação: confio em que Deus dá a graça, de conformidade com o cargo.