Odeio a máscara e o vício
Do corredor de meu hotel:
Me volto ao manso bulício
De meu monte laurel.[2]

Com os pobres da terra
Quero eu minha sorte estar:
O arroio da serra
Me compraz mais que o mar.

Dêem ao fútil o ouro terno
Que arde e brilha no crisol:
A mim, dêem-me o bosque eterno
Quando nele irrompe o Sol.

Tenho visto o ouro feito terra
Borbulhando na redoma:
Prefiro estar na serra
Quando voa uma paloma.

Busca o bispo de Espanha
Pilares para seu altar;
Em meu templo, na montanha
O álamo é o pilar!

E o tapete é puro feto,
E os muros de vidoeiro,
E a luz vem do teto,
Teto azul do céu inteiro.

O bispo, pela noite,
Sai, lentamente, em cancioneiro:
Monta, calado, em seu coche,
Que é pinhão de um pinheiro.

Os corcéis de sua carroça
São pássaros azuis, dois:
E canta o ar e troça,
E cantam os vidoeiros, depois.
 
Durmo em minha cama de roca[3]
Meu sonho doce e profundo:
Roça uma abelha minha boca
E cresce em meu corpo o mundo.

Brilho grandioso emoldurado
Ao fogo da manhã
Que tem seu cortinado
De rosa, violeta e grã.[4]

O clarim, só no monte,
Canta ao primeiro arrebol:
A seda do horizonte
Prende, num alento, o Sol.

Digam ao bispo cego,
Ao velho bispo de Espanha
Que venha, venha logo,
Ao meu templo, na montanha!

  1. Para essa tradução não se obedeceu à métrica original, optando-se pelo sentido e lirismo da obra.
  2. No original: ...de laurel - optou-se pela interpretação de que o adjetivo, aqui, refere-se às àrvores do monte ao qual jaz saudoso o poeta.
  3. NT: Rocha, pelo catalão roca.
  4. NT: grã - a cor escarlate.