Aparece aonde não era esperado editar

Os próximos mais chegados a um superior da religião, são seus súditos, a quem tem obrigação de guiar para o céu, procurando-lhes os meios necessários, e afastando-os dos perigos, e acudindo quando vão cair, que é obra de verdadeira caridade. Foi também nisto singular a virtude do Padre José, assim com orações, como com sua doutrina e vigilância, e concorria com ele Deus Nosso Senhor, com especiais favores, quais eram os de que usou com outros santos antigos, fazendo que de súbito se achasse presente aonde era necessário, trazido pelo caminho e de modo que somente o autor de tais maravilhas sabe o que fazer.

Certo superior encerrou em uma câmara, a um irmão, um dia pela manhã, em São Paulo, estando o Padre José em São Vicente, dali a doze léguas; eis se não quando no mesmo dia, antes de jantar, aparece, só, sem companheiro, abre a porta da câmara onde estava o irmão afligido, e diz-lhe: “Saí daqui e vinde-me dar de comer no refeitório”. Comeu e depois falou com o superior e com o irmão, aquietou-os e pôs em paz. Deitou a benção aos da casa despediu-se de alguns amigos antigos e continuou seu caminho na mesma tarde para a casa donde tinha vindo. E o que mais é que o não acharam naquela casa menos, o que pôs em admiração a todos os que o souberam.

Estava um irmão, por ordem de seus superiores, em uma fazenda a que não podia ir senão por mar; sucedeu achar-se uns dias mui afligido, sem Ter com quem se consolar. Nisto andando ao longo da casa, passeando no caminho, vê de súbito ao Padre José com seu bordão na mão, sem viva pessoa consigo; deu-lhe as boas vindas, e o padre lhe disse: “Só por amor de vós venho cá”. Tratou com o padre o que importava a sua alma, com muita consolação sua, e o padre se ausentou, sem o irmão saber mais parte dele, como ou em que ou com quem passava o mar, à vinda, ou à tornada.

Na Capitania do Espírito Santo andava o padre em missão, e trazia consigo ao Padre Fernandes; antes de concluírem a missão disse ao companheiro: “Vamos-nos para casa, porque o irmão fulano tem necessidade de nós”. Partiram-se logo para a vila, e chegando à casa, disse-lhe aquele irmão: “Deus trouxe a V. R. porque se hoje não viera, não sei o que fora de mim”. Comunicou com o padre sua alma, e ficou consolado e quieto.

Outra vez, estando o padre com o mesmo companheiro, em uma aldeia, de caminho para outra, lhe disse: “Vamos depressa, porque naquela aldeia os índios e o padre têm necessidade de nós”. Foram e, pouco depois de chegados, chegaram também certos homens com intento de inquietarem os índios e ao padre que deles tinha cuidado, mas tudo se pacificou com a vista do Padre José, que todos tiveram por grande benefício de Deus.

Estava um dia na praça de São Vicente, Jorge Ferreira, que isto testemunhou, com quatro ou cinco homens, e passando o Padre José caminho da serra, que vai para a vila de São Paulo, perguntou-lhe que pressa levava Sua R. Respondeu que ia aplacar ao demônio que andava solto entre dois homens principais. Tornou Jorge Ferreira a perguntar se viera de lá algum recado. Respondeu que não.

Por onde todos presumiram que seria alguma revelação, pela opinião que tinham de sua virtude; soube-se depois que era certo caso de discórdia entre os dois sobreditos. Chegou o padre com um menino índio, que o acompanhava a São Paulo no mesmo dia com duas ou três horas de sol, sendo o caminho mui fragoso, e distância de doze léguas, e assim tornou a soldar as amizades.

Pregação editar

Sua pregação parecia sair mais de um peito cheio de devoção e comunicação com Deus, que não de muito estudo por livros, e assim mui afetuosa, e movia os ouvintes, à compunção de pecados, lágrimas e aborrecimentos de vícios, e amor à virtude e freqüência dos sacramentos, da confissão e comunhão, donde se seguia emendarem muitas pessoas suas vidas.

Ouvindo-o um dia pregar uma mulher simples, com muito devoção, usou desta semelhança:”o Espírito Santo põe na boca do padre o que há de dizer, assim como a pomba na boca do filho o que há de comer”.

O que passou com um herege que enforcaram editar

Conquistando o governador Mem de Sá, a Segunda vez o Rio de Janeiro, quis fazer justiça de um herege muito pertinaz, que entre os soldados franceses tomara.

Encarregou-se dele o Padre José, porque havia que tratar com ele em Latim que o herege sabia. Teve dificuldade em o reduzir, e pediu mais tempo; finalmente, o reduziu com a divina graça e o fez confessar e aparelhar para bem morrer. Chegando ao ponto da execução, estava o padecente mui afligido e impaciente pelo algoz se embaraçar em seu ofício; repreendeu então o padre ao algoz, e deu-lhe ordem como o fizesse bem.

Contando o padre dali a muitos anos, no tempo que era provincial, este caso a um irmão nosso, lhe disse o irmão: é V. R. não via que ficava irregular”? – “Sim, bem advertia nisso – respondeu o padre — ,porém a minha irregularidade, não era ofensa a Deus, e tinha remédio, mas aquele pobre não tinha outro remédio, porque sua salvação tinha tempo limitado, e por salvação de uma alma ainda que ficara toda a vida irregular, o dera por bem empregado”.

Uma alma que estava em pena editar

Tomou uma vez a noite ao Padre José, com seu companheiro, entre a ponta de Itapagipe e esta cidade da Bahia vindo de confessar um negro. E antes de chegarem a uma lagoa, que estava perto do caminho, entre o cantar das rãs, ouviram grandes gritos e ais muito sentidos, como de pessoa que estava em grande aflição, de modo que o companheiro, que isto testemunhou, se lhe arrepiaram os cabelos de medo.

Ao qual disse o Padre José: “não temais, chegai-vos para mim”. E parando um pouco, com os olhos no céu disse: “ó altíssimo Deus, quão grande é vosso poder”. E chegando perto da lagoa, disse ao companheiro: “rezemos ambos de joelhos aqui cinco Pater noster, e cinco Ave Maria, pelas almas do purgatório, e não se ouvirão mais aqui estas vozes”. Acabando de rezar, se não ouviram mais, e depois passando o companheiro do padre por aquele lugar, de noite, algumas vezes, nunca mais ouviu tais vozes, posto que ouvia rãs com seu costumado cantar.