(Crepusculo, Novembro. Pela encosta fria e desnudada vae andando, esfarrapado e exangue, um pobresinho triste, arrimado ao bordão.)


UM LAVRADOR


(de cem anos, ainda robusto, à porta do casebre)


Mendigo d'olhos sem esp'rança,
Vaes-te perder na escuridão...
Entra em meu lar; dorme, descança...


O POBRESINHO


(andando sempre)


Quem dera a paz divina e mansa,
Velho, que tens no coração!...

UMA VELHINHA


(a resar à porta do moinho)


Mendigo d'olhos sem ventura,
Dentro da azenha ha um enxergão;
Terás lençoes, terás fartura...


O POBRESINHO


(andando sempre)


Eu só quizera essa candura,
Irmã da Graça e da Ilusão!...


UMA CAMPONEZA


(que vem da vindima)


Mendigo d'olhos d'engeitado,
Na nossa casa ha vinho e pão;
E ha leite fresco; e ha mel doirado...

O POBRESINHO


(andando sempre)


Tua alegria sem cuidado,
Eis o que eu busco... em vão! em vão!...


UMA PASTORINHA


Mendigo d'olhos de coveiro,
Trago a merenda no surrão;
O queijo é bom, mas é grosseiro...


O POBRESINHO


(andando sempre)


Dá-me o teu riso feiticeiro,
Lirio do monte inda em botão!


UM PEDINTE


Mendigo d'olhos na agonia,
Dou-te o meu manto e o meu bordão;
Nada mais levo... a noite é fria...

O POBRESINHO


(andando sempre)


Apenas ai! desejaria
Tua cristã resignação!...


A ESTRELLA VESPER


O' sonhador louco d'outrora,
Teus sonhos lindos onde estão?!
Ebrio da luz, rico d'aurora,
Vi-te partir... e vejo agora
Um morto erguido d'um caixão!

Teus olhos fulvos namorei-os
De dia e noite, da amplidão:
Vi-os sorrir entre gorgeios,
Vi-os cantar e vi-os cheios
De pranto e febre e indignação!

Regressa emfim, é teu destino,
Á paz obscura, á submissão...
E outra vez meigo e pequenino
Deixa dormir, como um menino,
Teu velho e exhausto coração!...


O POBRESINHO


(chorando)


Só tu, estrella, me conheces
Em minha dor, minha aflição!...
Só tu não dormes, não esqueces...
Só tu ouviste as minhas preces...
Bemdito, estrella, o teu clarão!

Setembro – 91.