"Sim, Augusto, eu te amo!... Já não tenho outra consciência de minha vida. Sei que existo, porque te amo.

Naquele momento, de joelhos, a teus pés, essa grande luz encheu meu coração. Acabava de ultrajar-te cruelmente; detestava-te com todas as forças de minha alma; e de repente todo aquele ódio violento e profundo fez-se amor! Mas que amor!

Desde então me sinto como inundada por este imenso júbilo de amar. Minha alma é grande e forte; guardei-a até agora virgem e pura; nem uma emoção fatigou-a ainda. Entretanto receio que ela não baste para tanta paixão. É preciso que eu derrame em torno de mim a felicidade que me esmaga.

Por que me fugiste, Augusto?... Segui-te repetindo mil vezes que te amava; confessei-o a cada flor que me cercava, a cada estrela que luzia no céu. Minha alma vinha aos meus lábios para voar a ti nestas abençoadas palavras: eu te amo! Tudo em mim, meus olhos cheios de lágrimas, minhas mãos súplices, meus cabelos soltos, se tivessem uma voz, falariam para dizer-te: Ela te ama!

Beijei na areia os sinais de teus passos, beijei os meus braços que tu havias apertado, beijei a mão que te ultrajara num momento de loucura, e os meus próprios lábios que roçaram tua face num beijo de perdão.

Que suprema delícia, meu Deus, foi para mim a dor que me causavam os meus pulsos magoados pelas tuas mãos! Como abençoei este sofrimento!... Era alguma coisa de ti, um ímpeto de tua alma, a tua cólera e indignação, que tinham ficado em minha pessoa e entravam em mim para tomar posse do que te pertencia. Pedi a Deus que tornasse indelével esse vestígio de tua ira, que me santificara como uma coisa tua!

Vieram encontrar-me submergida assim na minha felicidade. Interrogaram-me; porém eu só ouvia os cânticos de minha alma cheia das melodias do meu amor. Não lhes falei, com receio de profanar a minha voz, que eu respeito depois que ela te confessou que eu te amo. Não deixei que me tocassem para não te ofenderem no que é teu.

Quero guardar-me toda só para ti. Vem, Augusto: eu te espero. A minha vida terminou; começo agora a viver em ti.

Tua Emília.

"

 

São onze horas.

Recebo agora esta carta, aqui na cidade.

Quando fugi ontem de Emília, tinha tão grande terror de mim mesmo, que não me animei a ficar no Rio Comprido.

 

Acabando de ler o que ela me escrevera, pedi a Deus que me desse coragem para resistir:

— Senhor! Vós sabeis que eu não devo amar essa mulher! Seria uma infâmia!...

Achei Emília sentada em uma cadeira, absorta em seu enlevo. Vendo-me, toda essa bela criatura assumiu-se num só e inefável sorriso para cair aos meus pés, difundindo sua alma nestas palavras impetuosas:

— Eu te amo, Augusto!

Depois continuou repetindo uma e muitas vezes a mesma frase, como se estudasse uma modulação de voz que pudesse exprimir quanto havia de sublime naquele grito d'alma.

— Sim! Eu te amo!... Eu te amo!...

Eram as notas da celeste harmonia que seu coração vibrava, como o rouxinol canta na primavera e as harpas eólias ressoam ao sopro de Deus.

Quando ela desafogou sua alma desta exuberância da paixão, falei-lhe :

— Mas reflita, Emília. A que nos levará esse amor?

— Não sei!... respondeu-me com indefinível candura. — O que sei é que te amo!... Tu não és só o árbitro supremo de minha alma, és o motor de minha vida, meu pensamento e minha vontade. És tu que deves pensar e querer por mim... Eu?... Eu te pertenço; sou uma coisa tua. Podes conservá-la ou destruí-la; podes fazer dela tua mulher ou tua escrava!... É o teu direito e o meu destino. Só o que tu não podes em mim, é fazer que eu não te ame!...

 

Enfim, Paulo, eu ainda a amava!...

Ela é minha mulher.