Introdução geral e descrição de vinte técnicas de higiene interior

Introdução

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Inclino-me perante o Senhor Shiva que no princípio ensinou o Hatha Vidya, ciência que destaca como o primeiro degrau da escadaria que conduz às supremas alturas do Raja Yoga.

1:1. Numa ocasião Chanda Kapali foi à cabana de Gheranda e o saudou com reverência e devoção.

1:2. Oh, Mestre do Yoga! Oh tu, o melhor de todos os Yoguis! Oh Senhor! Quero aprender a disciplina de Hatha Yoga que leva ao conhecimento da verdade (tattva-jñána).

1:3. O Mestre Gheranda respondeu: "Sem dúvida o pedes correctamente. Te ensinarei o que desejas saber. Escuta com atenção".

1:4. Não existem amarras como as da ilusão (máyá). Não há força como a que provém da disciplina (yoga). Não há amigo mais elevado que o conhecimento (jñána). E não há inimigo maior que o sentimento de individualidade (ahámkara).

1:5. Da mesma maneira que se aprende o alfabeto, com a prática, podem-se dominar todas as ciências, mediante o domínio do Hatha Yoga adquire-se no final o conhecimento da verdade que libera a alma da escravidão.

1:6. De acordo com os actos, bons ou maus, produzem-se os corpos de todos os seres vivos, e os corpos dão origem às acções (o karma que conduz ao renascimento). Desta maneira, o ciclo repete-se como o contínuo girar da roda de um moinho de água.

1:7. Da mesma forma que sobe e desce a roda de um moinho ao sacar água do poço movida pelos pistões (enchendo e esvaziando uma e outra vez os baldes), assim também a alma (jivátman) passa através da vida e da morte movida pelas suas acções (karma).

1:8. Porém, o corpo degenera-se neste mundo como um vaso de barro fresco submergido em água. Fortalece-o com o fogo do treino (ghatastha-yoga) que vigoriza e purifica o corpo.

A via dos sete passos

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1:9. Os sete passos deste treino psico-fisiológico são os seguintes:

  1. Purificação, kriyá.
  2. Fortalecimento, dridhata.
  3. Estabilidade, sthirata.
  4. Calma, dhirata.
  5. Ligeireza, laguima.
  6. Percepção correcta, pratyakshatva.
  7. Isolamento, nirliptata.

1:10-11. A purificação adquire-se com a prática regular dos seis kriyá. A força consegue-se com ásana; a estabilidade ou firmeza com mudra; calma com pratyáhara; a ligeireza com pránáyáma; a percepção correcta com dhyána; o isolamento com samádhi.

Os seis kriyá, ou exercícios de purificação

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1:12. Os shat karma, ou seis exercícios de purificação, são:

  1. Dhauti,
  2. Vasti,
  3. Neti,
  4. Lauliki,
  5. Trataka,
  6. Kapalabhati.

Primeiro kriyá: dhauti

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1:13. Os dhauti eliminam as impurezas do corpo e são de quatro tipos: Antar-dhauti, ou limpeza interna; Danta-dhauti, ou limpeza dental; Hrid-dhauti, ou limpeza do esófago; Múla-soddhana, ou limpeza do recto.

1:14. Antar-dhauti, subdivide-se por sua vez em quatro partes: Vatasara, ou limpeza com ar; Varisara, ou limpeza com água; Vahnisara (agnisara), ou limpeza com fogo; Bahishkrita, ou limpeza com extracção.

1:15. Vatasara-dhauti:

Imitar com a boca a forma do bico de um corvo (kákí-mudra) e inspirar lentamente. Encher o estômago de ar e movê-lo para dentro. Depois, forçá-lo pouco a pouco até expulsá-lo através do recto.

1:16. Vatasara é um procedimento muito secreto (mantido pelos Siddhas) que purifica o corpo, cura todas as enfermidades e aumenta o fogo gástrico.

1:17. Varisara-dhauti: Encher a boca completamente com água, até à garganta. Bebê-la lentamente. No estômago, movimentá-la para os lados. Depois, empurrá-la pouco a pouco para expulsá-la através do recto.

1:18. Este procedimento deve ser mantido em segredo; purifica o corpo e, praticado com atenção, obtém-se um corpo luminoso ou resplandecente.

1:19. Varisara é o maior dos dhauti. Quem o executar com facilidade purificará o seu corpo impuro e o transformará em um corpo divino(divya-deha).

1:20. Vahnisara (agnisara)-dhauti: pressionar cem vezes o abdómen contra a coluna vertebral. Isto é agnisara ou limpeza com fogo. Conduz ao êxito na prática de yoga, cura todas as enfermidades do estômago e incrementa o fogo interior.

1:21. Esta forma de dhauti, difícil de conseguir até para os deuses, deve manter-se em segredo, pois proporciona um corpo divino (divya-deha).

1:22. Bahishkrita-dhauti:

Fazer kákí-mudra (boca em forma de bico de corvo) e inspirar lentamente. Encher o estômago de ar e mantê-lo durante hora e meia. Depois, empurrar forçando o ar até aos intestinos. Este dhauti deve manter-se em grande segredo e não revelá-lo a ninguém.

1:23. Em seguida, de pé e submergido em água até ao umbigo, extrair o intestino grosso (Shakti-nádi). Lavá-lo à mão até que fique completamente limpo. Finalmente, introduzí-lo de novo no abdómen.

1:24. Este procedimento, difícil de realizar até para os deuses, deve manter-se em secreto, pois proporciona um corpo divino (devadeha).

1:25. Quem não conseguir reter o alento ou o ar no estômago durante hora e meia, não poderá efectuar este grande dhauti ou purificação, conhecido como bahishkrita.

1:26. Danta-dhauti inclui as seguintes práticas: Limpeza dos dentes (danta-múla-dhauti), limpeza da língua (jihvá-dhauti), limpeza dos ouvidos (karna-dhauti) e limpeza dos seios frontais (kapála-randhra-dhauti).

1:27. Danta-múla-dhauti: Esfregar os dentes com acácia em pó ou com terra pura até que desapareçam todas as impurezas.

1:28. Esta limpeza dental é um grande dhauti e para os yoguis é um procedimento muito importante na prática de yoga. Deve realizar-se diariamente, cada manhã, para manter os dentes sãos. Os yoguis aprovam-no para a purificação.

1:29. Jihvá-dhauti (jihvá-sodhana). Dir-te-ei agora o método para

limpar a língua, cujo alargamento anula a velhice, a morte e a doença.

1:30. Juntar os dedos médio, indicador e anelar e introduzi-los na garganta. Escovar bem a raiz da língua e voltar a limpar, extraindo a mucosidade.

1:31. Em seguida, lavar a língua e massajá-la com manteiga e leite várias vezes. Apertá-la e puxá-la repetidamente, como se estivesse a ordenhá-la. Finalmente, segurando a ponta da língua com um instrumento de aço, raspe-a com suavidade.

1:32. Esta prática deve efectuar-se com esmero todos os dias ao nascer e pôr do sol. Desta forma consegue-se o alargamento da língua.

1:33. Karna-dhauti: limpar os orifícios dos ouvidos com os dedos

indicador e anelar. A prática diária regular conduz à percepção de sons subtis (nada).

1:34. Kapála-randhra-dhauti: massajar a depressão da frente junto à raiz do nariz com o polegar da mão direita. Com esta prática curam-se as enfermidades ocasionadas por desordens dos humores (dosha).

1:35. As nádi purificam-se e obtêm-se a clarividência, a visão divina (divya-drishti). Deve praticar-se diariamente ao despertar, depois de cada refeição e ao anoitecer.

1:36. Hrid-dhauti, a limpeza do coração, é de três tipos: Danda-dhauti (limpeza com uma haste), Vamana-dhauti (limpeza com água), e Váso-dhauti (limpeza com uma gaze).

1:37. Danda-dhauti: usar um ramo de plátano, cúrcuma, plantago mayor ou cana-de-açúcar e introduzi-lo lentamente no esófago, retirando-o depois com cuidado.

1:38. Com esta prática elimina-se todo o muco (kapha), bílis (pitta) e outras impurezas da boca e do peito. Mediante danda-dhauti curam-se todas as enfermidades do coração.

1:39. Vamana-dhauti: depois de comer, deve-se beber água até chegar ao estômago. Em seguida, deve-se voltar o olhar para cima durante algum tempo. Finalmente, procede-se ao vómito. Executado diariamente, cura as desordens ocasionas por muco (kapha) e bílis (pitta).

1:40. Váso-dhauti: Engolir lentamente uma gaze com quatro dedos de largura e depois extrai-la. Isto é váso-dhauti (vastradhauti).

1:41. Com esta técnica elimina-se a febre e curam-se enfermidades abdominais (gulma), dilatação do baço, lepra, enfermidades da pele, assim como as desordens produzidas por muco (kapha) e bílis (pitta). Assim, a cada dia, o praticante incrementa a sua saúde, força e ânimo.

1:42. Múla-soddhana: apana não flui correctamente a não ser que se limpe o recto de forma adequada. Portanto, deve efectuar-se cuidadosamente a purificação do intestino grosso.

1:43. O recto limpa-se repetidas vezes com água, utilizando o dedo médio ou uma haste da raiz de cúrcuma (haridra).

1:44. Isto elimina a prisão de ventre, a indigestão e a dispepsia, aumenta a beleza e o vigor corporal e vivifica a esfera de fogo (suco gástrico).

Segundo kriyá: vasti

1:45. Os vasti são de dois tipos: Jala-vasti; (com água) realiza-se metido em água; Shushka-vasti. (enema seco) realiza-se em terra.

1:46. Denomina-se jala-vasti a seguinte prática: submergido em água até à altura do umbigo, adopta-se a postura da cadeira (utkatásana) e contrai-se relaxa-se o esfíncter anal.

1:47. Com este procedimento curam-se desordens urinários (prameha), problemas digestivos (udavarta) e problemas relacionados com os distintos prána (krúra-váyu). O corpo liberta-se de toda a enfermidade e torna-se belo como um deus.

1:48. Shushka-vasti (sthala-vasti): adoptar a postura da pinça (paschimottanásana). Mover lentamente até abaixo os intestinos. Contrair e relaxar o esfíncter anal mediante ashviní-mudra.

1:49. Com esta prática previne-se a prisão de ventre, aumenta-se o fogo gástrico e cura-se a flatulência.

Terceiro kriyá: neti

1:50. Neti-kriyá: Introduzir um fio delgado, de comprimento médio (22 a 28 cm.), por um orifício nasal. Empurrá-lo até que passe para dentro da boca. Agarrá-lo com a mão e tirá-lo pela boca.

1:51. Com a prática de neti-kriyá facilita-se khechari-mudra, curam-se as desordens causadas pelo muco (kapha) e aumenta a visão interior.

Quarto kriyá: lauliki

1:52. Mover energicamente os intestinos e o estômago de um lado para o outro. Isto é lauliki-yoga. Elimina todas as enfermidades e aumenta o fogo gástrico.

Quinto kriyá: tratakam

1:53. Olhar fixamente, sem pestanejar, qualquer objecto pequeno até que comecem a fluir lágrimas. Isto chama-se tratakam, segundo os sábios.

1:54. Ao praticar este yoga, obtêm-se a shambavi-mudra, eliminam-se todas as enfermidades oculares e surge a clarividência.

Sexto kriyá: kapalabhati

1:55. Kapalabhati elimina as desordens produzidas pelo muco (kapha) e é de três tipos: Váma-krama; Vyut-krama; Shít-krama.

1:56. Váma-krama: inspira-se suavemente pelo orifício esquerdo do nariz e expira-se pelo direito. Em seguida, inspira-se pelo direito e expira-se pelo esquerdo.

1:57. Esta prática deve efectuar-se sem esforço. Com ela eliminam-se as desordens produzidas pelo muco (kapha).

1:58. Vyut-krama: absorver água por ambas as fossas nasais e expeli-la lentamente pela boca. Com vyut-krama eliminam-se as desordens produzidas pelo muco (kapha).

1:59. Shít-krama: absorver água pela boca e expeli-la lentamente pelas duas fossas nasais. Com esta prática, o yogui torna-se belo como o deus Káma.

1:60. A velhice não chega e a degeneração não o alcança. O corpo torna-se são e flexível. As desordens devido a muco são eliminadas.