A. L.
 
O sândalo é o perfume das mulheres de Estambul, e das huris do profeta; como as borboletas, que se alimentam do mel, a
mulher do Oriente vive com as gatas dessa essência divina.

J DE ALENCAR


 
O perfume o invólucro invisível,
Que encerra as formas da mulher bonita.
Bem como a salamandra em chamas vive,
Entre perfumes a sultana habita

Escrínio aveludado onde se guarda
— Colar de pedras — a beleza esquiva,
Espécie de crisálida, onde mora
A borboleta dos salões — a Diva.
Alma das flores— quando as flores morrem,
Os perfumes emigram para as belas,

Trocam lábios de virgens-por boninas,
Trocam lírios — por seios de donzelas!
E ali — silfos travessos, traiçoeiros
Voam cantando em lânguido compasso
Ocultos nesses cálices macios
Das covinhas de um rosto ou dum regaço

Vós, que não entendeis a lenda oculta,
A linguagem mimosa dos aromas,
De Madalena a urna olhais apenas
Como um primor de orientais redomas;
E não vedes que ali na mirra e nardo
Vai toda a crença da Judia loura...

E que o óleo, que lava os pés do Crista,
É uma reza também da pecadora.
Por mim eu sei que há confidências ternas,
Um poema saudoso, angustiado
Se uma rosa de há muito emurchecida
Rola acaso de um livro abandonado.

O espírito talvez dos tempos idos
Desperta ali como invisível nume...
E o poeta murmura suspirando:
"Bem me lembro... era este o seu perfume!"

E que segredo não revela acaso
De uma mulher a predileta essência?

Ora o cheiro é lascivo e provocante!
Ora casto, infantil, como a inocência!
Ora propala os sensuais anseios
D'alcova de Ninon ou Margarida,
Ora o mistério divinal do leito,
Onde sonha Cecília adormecida.

Aqui, na magnólia de Celuta
 
Lambe a solta madeixa, que se estira.
Unge o bronze do dorso da cabocla,
E o mármore do corpo da Hetaíra.
É que o perfume denuncia o espírito

Que sob as formas feminis palpita...
Pois como a salamandra em chamas vive,
Entre perfumes a mulher habita.