dos leitores, postoque não seja menos bello. O autor nelle emprega maior número de onomatopeias que de ordinario; e he sem dúvida pela perfeição do estilo que a sua traducção he ainda mais difficil que a dos outros. Em todo este harmonioso trecho tratando eu de imitar a variedade e a metrificação do autor, escrevi o meu verso 153[1], que ao vulgo parecerá mal modulado; mas fil-o de proposito, ajuntando cinco breves consecutivas, para pintar a precipitação dos carros. Versos desta medida acham-se em Camões, Ferreira, Francisco Manuel, Basilio da Gama e Alvarenga.

177. — 185. — O leme de que se trata, era um remo de pá larga, semelhante aos que chamamos hoje no Brazil esparrellas. O Virgilius nauticus, pag 63-64 explica a fórma desta especie de leme. Verti clavus por clavo, porque a nossa palavra cavilha, empregada para significar outras cousas, não daria uma idéa clara do objecto: veja-se cavilha em Moraes e Constancio. O clavo não era a haste da esparella,[2] mas uma peça de pao que em cruz atravessava a haste. As nossas jangadas servem-se destes lemes, com a differença que, em vez de os collocarem de um lado, os collocam no meio.

198. — 208. — Sou do parecer de Servio e Mr. Jal, e não do de Annibal Caro e João Franco: aerea puppis quer dizer forte pôpa, tomando-se aerea figuradamente; porque as pôpas não sam ferradas ou cobertas de metal, como cuidavam os dous traductores poetas, e Velasco que os segue. Mas conservo a mesma figura, vertendo bronzea pôpa: em portuguez, peito de bronze diz peito forte, peito robusto.

248. — 260. — Diz La Rue que talentum, tanto aqui como no verso 112, não se toma pelo talento attico; poisque Homero, na carreira equestre, poz em primeiro premio uma mulher com um caldeirão; em segundo, uma mulher prenhe; em terceiro, outro caldeirão; em quarto, dous talentos de ouro. Ora, conclúe o commentador, se o quarto premio era o menor, os talentos de que se trata não podiam ser dos grandes. Tem razão quanto a Homero; mas no magnum talentum de Virgilio, que não he senão o talento attico, eu vejo outra cousa. Enéas mandou distribuir um grande talento pela equipagem das tres naus; e, postoque valesse mais que cada um dos premios dos chefes, sendo repartido por todos, cabia a cada marinheiro uma quantia incomparavelmente menor que o valor do que recebera o chefe que menos ganhou. E na palavra addit do verso 249 descubro um costume que tem vindo até os nossos tempos: os chefes tiveram a sua porção do talento que se destribuiu pela equipagem, alêm da recompensa especial; e essa destribuição he provavel que fôsse proporcional á categoria dos premiados, conforme ao que hoje acontece na divisão das presas.

  1. No original, consta 53, erro tipográfico.
  2. Mais acima, nesta mesma nota, está esparrella.