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não podia ignorá-lo nem deixar de augmentar a irritação da sua corte prevenindo-a contra D. Henrique. Entretanto, posto que homem de poucas letras, D. Pedro Mascarenhas era uma intelligencia superior, que sabía appreciar as cousas e os homens, e sair com vantagem das luctas em que se empenhava. De indole, segundo parece, recta e desinteressada, tinha a qualidade de alguns estadistas, que, collocados em logares eminentes, no meio de uma sociedade e de uma epocha pervertidas, se aproveitam da corrupção para realisarem os seus intuitos, sem se corromperem a si proprios; estadistas, cuja triste e suprema crença deve ser um profundo desprezo do genero humano. Residira já em Roma tempo sufficiente para avaliar bem a curia pontificia, e a idéa que fazia della era extremamente desfavoravel. Na sua opinião, para bem negociar com Paulo iii não havia outro meio senão fazer-lhe crer que ganhava no negocio[1], e por isso tinha aconselhado a elrei, na questão das decimas, que não posesse obstaculo a

  1. «tudo o que V. A. quiser negocear bem com este papa ade ser pondolhe seu enteresse diante»: Carta de D. Pedro Mascarenhas de 21 de junho, na Correspond. Orig., f. 93.