PEDRINHO — Isto é, só dou se vovó mandar. Por mim não dou
— mas se vovó mandar é outra coisa ...
DONA BENTA — (Sempre aflita.) — Dê, Pedrinho. Dê tudo quanto
ela quiser. A Emília já tomou conta desta casa ...
EMÍLIA — (Vitoriosa.) — E o Visconde também tem que me dar ...
É uma tristeza isto de fidalgos arruinados. Eles nunca têm
nada para dar. Só a cartolinha — que é tudo quanto o Vis-
conde possui ...
NARIZINHO — Ande, Emília! Chega de amolar. Assobie logo.
Tenha dó de vovó, coitada.
O lobo atira-se contra a porta. Ouve-se um estalo de madeira rachada. Emilia assusta-se e leva dois dedos à boca. Assobia. Há uma pausa. Todos ficam à escuta do que se passa lá fora. Emilia assobia de novo. Nada acontece lá fora e o lobo continua a despedaçar a porta. Emilia assobia pela terceira vez.
EMÍLIA — Que será que aconteceu?
NARIZINHO — Com certeza o rinoceronte ficou surdo com a chuva
desta noite.
PEDRINHO — (Zombeteiro.) — Fiem-se numa boneca ...
CAPINHA — Não ficou surdo, não. O que ele está é dormindo.
Quando vim para cá encontrei-o atravessado na porteira,
roncando. Até pulei por cima, sem medo nenhum. Juro
que está dormindo ainda.
EMÍLIA — (Embaraçada.) — Com essa não contei. Dormindo,
ladrão. Nesse caso temos de acordá-lo. Mas como?
PEDRINHO — Se ele não tivesse o couro tão duro eu o acordava
com uns pelotaços de bodoque no focinho. Mas pelotada
de bodoque em couro de rinoceronte é o mesmo que beijo
de mosquito.
Tia Nastácia, que está fora de cena desde o começo, entra da cozinha com uma colher de pau na mão. Não sabe nada do que se passa.
TIA NASTÁCIA — Que barulhada é essa, gente? Sosseguem, que é
hora de arrumar a mesa.