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 Não seja de siso; porque será a maior
parvoice do mundo, porque não concerta com a parvoice que tu finges.

VILARDO.


A musica não he senão das nossas; mas faço-te queixume, que nem com hum
cão de busca pude achar humas nesperas por toda esta terra.

DOLOROSO.


Nem as acharás senão alugadas; mas eu não sou de opinião que teus amores
te custem dinheiro. Ora ja lá apparecem os outros companheiros, e eu tambem
ajudarei de telhinha ou de assovio; e vem-me isto á popa, porque daqui iremos
á porta da minha padeirinha, porque ando com ella n’hum certo requerimento.

VILARDO.


Vossas Mercês vem ao proprio: boa seja a vinda. As guitarras vem
temperadas?

DOLOROSO.


Tudo vem como cumpre: mandae vigiar a Justiça entretanto.

VILARDO.


Ora sus: fazei como se temperasseis cabeça de pescada com seu figado e
bucho, e canada e meia, que nunca meu pae fez tamanho gasto na sua Missa
nova.

Neste passo se dá a musica com todos quatro, hum
tange guitarra, outro pentem, outro telhinha, outro canta cantigas muito
velhas, e no melhor diz Vilardo:


Estae assi quedos, que eu sinto quem quer que he.

DOLOROSO.


Justiça, pelo corpo de tal! Ora sus: aqui não ha outro valhacouto que nos
valha, que pôr os pés ao caminho, e mostrar-lhe as ferraduras.