OS MAIAS
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Os cavallos tinham descançado, Cruges pagou a conta, partiram. D’ahi a pouco entravam na charneca que lhes pareceu infindavel. D’ambos os lados, a perder de vista, era um chão escuro e triste; e por cima um azul sem fim, que n’aquella solidão parecia triste tambem. O trote compassado dos cavallos batia monotonamente a estrada. Não havia um rumor: por vezes um passaro cortava o ar, n’um vôo brusco, fugindo do ermo agreste. Dentro do break um dos criados dormia; Cruges, pesado dos ovos com chouriço, olhava, vaga e melancolicamente, as ancas lustrosas dos cavallos.

Carlos, no entanto, pensava no motivo que o trazia a Cintra. E realmente não sabia bem porque vinha: mas havia duas semanas que elle não avistava certa figura que tinha um passo de deusa pisando a terra, e que não encontrava o negro profundo de dois olhos que se tinham fixado nos seus: agora suppunha que ella estava em Cintra, corria a Cintra. Não esperava nada, não desejava nada. Não sabia se a veria, talvez ella tivesse já partido. Mas vinha: e era já delicioso o pensar n’ella assim por aquella estrada fóra, penetrar, com essa doçura no coração, sob as bellas arvores de Cintra... Depois, era possivel que d’ahi a pouco, na velha Lawrence, elle a cruzasse de repente no corredor, roçasse talvez o seu vestido, ouvisse talvez a sua voz. Se ella lá estivesse, decerto viria jantar á sala, aquella sala que elle conhecia tão bem, que já lhe estava appetecendo tanto, com as suas pobres cortininhas de cassa, os