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Não profanes, sacrilego, não manches
Da eterna divindade o nome augusto!
Esse, de quem te ostentas tão valido,
É Deus do teu furor, Deus do teu genio,
Deus creado por ti, Deus necessario
Aos tyrannos da terra, aos que te imitam,
E áquelles, que não crêm que Deus existe.

III

N’este quadro fatal bem vês, Marilia,
Que em tenebrosos seculos envolta
Desde aquelles crueis, infandos tempos
Dolosa tradição passou aos nossos.
Do coração, da idéa, ah! desarreiga
De astutos mestres a fallaz doctrina,
E de credulos paes preoccupados
As chimeras, visões, phantasmas, sonhos:
Ha Deus, mas Deus de paz, Deus de piedade,
Deus de amor, pae dos homens, não flagello.
Deus, que ás nossas paixões deu ser, deu fogo,
Que só não leva a bem o abuso d’ellas,
Porque á nossa existencia não se ajusta,
Porque inda encurta mais a curta vida:
Amor é lei do Eterno, é lei suave;
As mais são invenções, são quasi todas
Contrarias á razão, e á natureza:
Proprias ao bem d’alguns, e ao mal de muitos.
Natureza, e razão jámais differem:
Natureza, e razão movem, conduzem