Nostalgia do Lar
(A MEU IRMÃO POLYCARPO DE SENNA)

Longe, a perder-se de vista no horizonte embrumado, fica a minha aldeia querida, onde passei os bons dias da leve infancia innocente.

Em plagas extranhas piso e ante meus olhos humidamrente nublados por saudades mortificadoras, se extende o longo caminho agonioso do desterro temporario.

Porque vos sumis, no tredo seio voraginoso do tempo, ó fagueiras illusões, que até ha pouco me embalastes no amado berço natal?

Agora só estragos no coração e supplicios na alma me ficam... e o mais — carinhos e venturas, sorrisos e alegrias — a ausencia levou!

Adeus, pedaço ditoso de meu paiz de nascimento, onde bellezas tantas Deus reuniu, para gaudio meu e delicias de outros !

Quando ao descambar do sol, por entre as offuscantes illuminuras do occaso, eu sondo a vaga e moribunda scintillação vespertina, que espadana suaves feixes de luz por cima dos asperos fraguedos destas serranias; parece-me que, nesse mergulho da vista atravez dos raios inflammados, descubro a imagem doirada de sonhos, esplendente de recordações, do patrio cespede que tanto estremeço !

As aguas dos rios que aqui correm, não têm aquellas sussurrantes e alvissimas correntezas espumosas dos banhados e caudaes torrentes de minha terra !

E as cascatas reboantes de aljofarados e claros marulhos, que lá despenham de altas brenhas e agudos espigões — quando aqui as verei? Para lá somente creou a divina Força aquellas formosas collinas — altivas pela florente vegetação que as tapeta ; aquelles matisados vergeis e amenos campos perfumados ; aquelles jaspeos regatos e crystallinos mananciaes.

O' surprehendentes paysagens encantadoras de meu torrão, como retractadas vos conservo ainda a servirdes de doce consolo ás minhas saudades ?

E' por que, ácima das lentejoilas fascinantes da movimentada vida dos centros civilisados e populosos, onde deslumbramentos requintados pullulam, bastantes para nos embriagar os sentimentos bons e simples implantados no coração desde cresnças — paira o nobre influxo desse amor, que estimula e fortifica o ser humano, não o deixando esquecer o canto do mundo onde nasceu e viveu os primeiros annos da fagueira meninice, alheia aos cuidados e maguas consumidoras...

Eis ao longe aquelle ridente conjuncto de casinhas brancas, dupla e parallelamente enfileiradas, para formarem a unica rua aceiada e comprida ; a espaços, nellas entremeiados, alvejam muros de recente caio, aos quaes se encostam pujantes touceiras de bambús, moitas de grandes rosas amarellas, nelles cavalgando, ao longo do telhado, novosas hastes e tranças sarmentosas de sylvestres trepadeiras.

Tufos de uma opulenta vegetação se descobrem de todos os lados ; acolá, estão os magnificos arvoredos de fructo pejados do meu pomar, e os aromaticos jamineiros enflorescidos e a mimósa alfombra de cup verde tapete irrompem os pés das papoulas, viletas e cravinas.

E por fim, dominando a eminencia do visinho outeiro, lá esta a graciosa capella do orago local, com o seu alegre campanario, onde bimbalham os sinos da branda resonancia commovedora dos toques sigilosos.

E assim a minha amada e poetica aldeia, caro objecto de minhas recordações...

Funda e pungente nostalgia me amargura e entristece, porque o lar carinhoso — o saudoso lar onde imperam as figuras venerandas de meus Paes queridos e onde crescem de sagrada vetustez as effigies descoradas de meus antepassados — lá está na torva longidão, que dele me separa !

E, ausente dos meus, imitando o poeta, direi : — I-vos, i-vos, illusões minhas e saudades ! não mais vos verei do coração nos escriaios, onde acaso sojeis me acalentar as passageiras dôres da alma juvenil, então adormecida no bemdicto regaço de candidas Esperanças !

1895.


Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.