No dia seguinte estava achado o meio. Luís recebeu um bilhetinho do amigo concebido nestes termos:

Vem hoje à Rua dos Ciganos, às três horas da tarde, ou às sete, se quiseres ir jantar à casa. Tenho uma idéia boa que te pode salvar.

Luís Fonseca não esperou as sete horas; foi à casa dizer que jantava fora, e às três horas estava na Rua dos Ciganos.

— Então que achaste? perguntou ele apenas entrou.

— Um meio que me não parece mau.

— Vejamos.

— Espera. Disseste-me que tua prima Fernanda gosta de ti?

— Assim o diz meu pai.

— E ele acrescenta que se ela não gostasse de ti, não se faria o casamento?

— Justo.

— Pois bem; talvez se arranje tudo.

— Como?

— Fazendo com que ela goste de outro.

Luís deixou cair os braços.

Entrara com a esperança de que a dificuldade ia ser vencida, e para isso contava com um meio realmente decisivo e imediato. A idéia de Ernesto pareceu ridícula. Ia dizer com todas as letras, quando o amigo continuou:

— Achas isto naturalmente muito vago; também a mim me parece; mas pensando bem, não vejo que seja de impossível execução.

— Sim? disse Luís com ironia.

— Sim.

— Diremos então ao coração de Fernanda: não te voltes para a direita, que há um precipício, volta-te...

— Volta-te para a esquerda, é a única coisa que se lhe dirá. Não se deve falar mal de ti; que isso é agravar o mal e enraizar o amor. O que cumpre fazer é chamá-la para outro ponto.

— Tu estás doido! Não me dirás de que maneira se fará esse chamado?

— Simplesmente, respondeu com tranqüilidade Ernesto Guimarães; incumba-se alguém de lhe captar a atenção, de se insinuar primeiro no espírito, e depois no coração. Entre um que adora e outro que a trata com indiferença, é possível que a escolha não se demore, e tudo está salvo. Que te parece?

— Sim, o meio não seria mau, respondeu Luís; mas não é decisivo nem pronto.

— Decisivo não é, mas é um meio e pode ser tentado; pelo que respeita à prontidão, o casamento não é já e há tempo para mudar muita coisa.

Luís refletiu alguns instantes.

— Que te parece? perguntou outra vez Ernesto Guimarães.

— Uma tolice. Duas objeções oponho que deitam por terra o teu projeto.

— Vejamos a primeira.

— A primeira é que eu não vejo quem se encarregará de atrair a Fernanda.

— Eu.

— Tu?

— Que tem?

Luís não pôde deixar de rir-se às bandeiras despregadas. O amigo riu-se também, mas afinal foi obrigado a interromper a hilariedade do amigo pedindo-lhe que dissesse em que pecava a sua pessoa para o papel a que se propunha.

— Em coisa nenhuma, respondeu o bacharel; acho-te excelente.

— Rio-me de ver que te queres prestar a este capítulo de romance, verdadeiro capítulo de maçada.

— Vejamos a segunda objeção, disse Ernesto.

— A segunda objeção é clara e não tem fácil resposta. Vamos que alcancemos tudo. Que adiantamos nós? A Fernanda não é um fim, é um meio; meu pai quer casar-me, é o seu fim. Escolhe minha prima porque ela me tem alguma afeição; no caso em que ela goste de outro, nem por isso meu pai desiste do primeiro intento.

Ernesto abanou a cabeça.

— És um pateta, Luís. Não nasceste para as grandes dificuldades. Que importa que teu pai não desista do intento? Daqui até março tens tempo bastante para iniciar certa reforma de costumes...

— Reforma?

— Aparente.

— Ah!

— Dissipada a paixão de tua prima, não é crível que teu pai ache logo à mão outra noiva. Tu continuas, entretanto, a tua reforma; vais ao júri; encomendas algumas coisas; eu posso até mandar citar o Martins por uns cem mil-réis que me deve há quinze dias. Teu pai vai perdendo a idéia do casamento à medida que te for vendo moderado... e o resto à sorte.

— Não há que dizer, observou Luís quando o amigo acabou de expor-lhe assim a traços largos o seu sistema; a idéia não é má e visto que não há outra, é certamente a melhor. Está dito; vais salvar-me.

— Às tuas ordens.

— Pobre amigo! é um verdadeiro sacrifício o que vais fazer.

— Não é, replicou Ernesto Guimarães, é distração. Eu ando enjoado, Luís; é-me necessário torcer por algum tempo o rumo à vida para lhe achar depois melhor sabor. A monotonia é o veneno do espírito. Um ano mais da vida que levo mata-me de aborrecimento; mas se me afastar dela alguns meses, com que alegria não voltarei depois! com que novas forças me atirarei a este mundo, que é o meu! Não é um favor que te faço; é um remédio que tomo e me há de curar. Incapaz de namorar uma moça por mim mesmo, acho certo prazer para servir a um amigo. Eis tudo.

— Sabes a minha opinião a teu respeito?

— Dize.

— Acho-te feroz.

— Eu acho-me angélico.

— Tenho medo de vir a ser como tu.

— Então casa-te.

— Antes a morte.

— Ou esta vida.

— Apoiado!

— Fica pois assentado que eu vou sitiar o coração de tua prima. É bonita?

— Não é feia.

— Espirituosa?

— Como um cepo.

— Paciência! é uma paixão interina. Vamos jantar.

— Vamos.