IV

Janeiro 1872.

Ao Sr. D. Américo, Bispo do Porto. — Deve Reverendíssima saber que o Diário da

Tarde, jornal dessa diocese, tem publicado cartas trocadas entre o Sr. Camilo Castelo

Branco, que no mundo profano é um romancista excelente, e Rocha, que é no mundo eclesiástico — qualquer coisa. Trata-se, parece, de decidir se existem as famosas labaredas do Inferno. A discussão tomou unia feição teológica. O Sr. Camilo Castelo

Branco traz a ela toda a originalidade fogosa da sua veia peninsular; o chamado Rocha divaga, requenta sediços argumentos teológicos, defende os missionários, e aconselha a prática das suas doutrinas. Ora numa das cartas do dito Rocha encontra-se, reverendíssimo prelado, esta frase, para a qual chamamos a atenção inteligente de V.

Exª e a sua autoridade hierárquica:

«Diz o Sr. Camilo que a presença dos missionários aume nta a faina da roda dos expostos. Pois bem, eu digo que melhor, porque aumenta a «população.»

O que significa, digníssimo prelado:

«É um bem que os missionários seduzam as suas ouvintes — porque aumentam a população.»

Foi escrita esta frase, excelentíssimo prelado, na cidade do Porto, no ano de 1871,

Dezembro, por um chamado Rocha, eclesiástico.

Excelentíssimo prelado! Isto é simplesmente o missionarismo que ameaça a virgindade. Temos aqui o missionarismo, que — ferido, irritado da contradição, torcendo-se sob a mordedura da verdade, levado, violentamente contra o muro — faz como os gatos longo tempo perseguidos e espicaçados, assanha-se, encrespa-se, sopra, desenrosca-se. ataca — e grita:

— «Ah! eu estou convencido de ser impudico? Melhor! Confesse o meu impudor, sustento-o! E um bem, porque aumento a população.»

E prepara-se! Pedimos, excelentíssimo prelado, a interferência da sua mitra.

Se, entre nós os profanos, nos tribunais civis, um assassino declarasse que matar; fulano, para diminuir a população; se um ladrão se gabasse de que roubara sicrano, para fazer girar os capitais — nós mandaríamos estes dois reformadores beneméritos, que se haviam sacrificado pela justiça, britar pedra com a argola da grilheta!

Não sabemos o que as leis eclesiásticas cominam àqueles senhores missionários que entendem do seu dever desflorar as mulheres — para aumentar os homens!

Se nada estatuem, então, excelentíssimo prelado, dê-nos V. Ex na sua capela um lugar para irmos aí agradecer a Providência maternal, de rojo nas lajes — pois que é tão benévola com a terra de Frei Bartolomeu dos Mártires que, no meio das nossas desgraças e da nossa pobreza, nos dá ao menos o moedeiro falso que aumenta o capital e o missionário que aumenta a população!

Como, porém, a justiça e conhecida dignidade de V. Exª, não deixarão passar em impunidade a palavra do chamado Rocha, vimos humildemente pedir, a V. Exª

Reverendíssima, que atenda a que a frase do chamado Rocha é a expressão sintética de uma teoria de missionário; — que os missionários são muitos; — que os maus sacerdotes fazem desertos os melhores altares; — que Cristo, o supremo Mestre, desfaria o seu azorrague nestes vendilhões de bentinhos; — e que uma vez que os seus padres, excelentíssimo prelado, ameaçam aumentar a população, não será injusto que nós supliquemos a V. Exª que açame os seus padres!

Beijamos o anel pastoral de V. Exª Reverendíssima — sendo, como somos, 0

Admiradores da ciência e crentes da virtude de V. Exª Reverendíssima.