Aqueles que só lêem pela cartilha do septicismo positivista e prosaico, hão-de achar que idealisei as personagens desta odisseia, revestindo-as de sentimentalismo romántico e de poesia piégas.
Não estou porventura dentro do espírito da minha raça?
Que somos nós, a despeito das mais rudes exterioridades, senão poetas de coração, idealistas de imaginação ardente tecida de sentimentalidade nesta rede de fluidez e de feitiço que é a terra portuguesa?
Mas afinal eu não transfiguro as personagens. Extrai-o apenas á matéria a sua mais pura essência. Uno a realidade vivente à poesia ideal, é certo. Mas não saio da realidade objectiva. Apenas desdobro o corpo astral mergulhado no mistério do inrevelado que se condensa em espiritualidade invisível. Dentro dessa esfera luminosa, o ser material transfunde-se em luz e destaca num plano simpático em que as culpas se apagam para pôr em fóco as virtudes.
Firemos a cada um dêsses personagens as roupagens exteriores, vestidas por mil factores de imperfeição, que nos rodeiam e saturam ânimos frouxos e variáveis, ou revestem de áspera rigidez caracteres mutáveis.
Livre dêsse invólucro superficial, ficará o espírito alado, sénsível ao bem e á bondade, ficará o coração da raça, o coração português.
Que é isto, afinal, esta nossa raça de lusitanos. Fóra das flutuações vertiginosas, perturbantes de emoções desencontradas que vibratilisam e empolgam, que desorientam e desfiguram, bem puderamos ser luzeiro de espiritualissima bondade nos movimentos da civilização mundial.
Mas se a alma portuguesa é uma sintonia genial de sentimento e poesia, anda em tal desafinação a orquestra dos executantes, que só entrará em harmonia no dia em que todos os que podem e querem, afinarem o seu entendimento pela melodia suave do coração.
Como muiher, como vitima de uma atribulada vida conjugal, como humanitária e pacifista, claro está que entre as três vítimas e os três culpados, me é mais simpática aquela que sendo mulher é sempre a maior vítima.
E decerto a engrandecerá perante a sociedade, a virtude excelsa da piedade que em todos os tempos foi a glória mais bela da mulher e das nações.
Em cada mulher piedosa revive a suavissima Antígona que conduziu a cegueira de Œdipo deixando um rastro de poesia imorredoura e sublime nos floridos e rescendentes vales de Colona. E assim como Rumarita, a pálida virgem ariana, caminha impávida para a pira do sacrificio em holocausto aos ritos sacerdotais, assim a alma de uma grande amorosa se veiu lançar á fogueira de uma paixão para a converter em facho que despede clarões de piedade e derrama centelhas de razão.
Há de vez em quando na história das evoluções figuras de relêvo que representam uma raça ou acentuam uma fase.
Talvez que esta vida feminina e o seu drama, representem uma crise de renascimento em favor da mulher criando uma alma nova, em principios da mais sólida moral entre os sexos.