O velho desembargador Bonifácio da Rocha é o que se pode chamar um puritano. As modas e os costumes atuais põe-lhe tremores nas mãos e na voz, fazendo-o agitar o bengalão de peroba, numa formidável ameaça coletiva.
— Só, mesmo, chuva de enxofre!... — exclama, ao ver, no bonde, uma senhora, ou uma senhorita, de manga mais curta, ou de vestido mais decotado.
E se vê um pelintrote, um "maricas", um "almofadinha":
— Só, mesmo, chumbo derretido! Isto é um escândalo!...
Como as moedas sejam, hoje, muito diferentes das do seu tempo, e o desembargador esteja com a moralidade apurada no cadinho da velhice, tudo, aos seus olhos, constitui indecência, imoralidade, presente ou futura.
Uma destas tardes ia o velho magistrado tomar o seu bonde das Águas Férreas, quando, ao entrar no refúgio da Galeria Cruzeiro, descobriu ali, em um dos bancos, uma mulher do povo, portuguesa, que amamentava despreocupadamente o filhinho. Camiseta acima do umbigo, o pirralhinho, que estava quase nu, sugava com avidez o seio materno, agitando as perninhas gorduchas, os olhos quase fechados, numa demonstração de indizível contentamento.
Ao dar com os olhos naquele grupo comovente de simplicidade, o desembargador ficou rubro.
— Sim, senhor! — exclamou. — Que geração, essa, que vem aí!
Agitou o bengalão de peroba, no gesto característico da sua indignação, e rugiu:
— Desse tamanhozinho, já vive à custa das mulheres!...
E afastou-se, agitando a peroba.