Datava de um ano, mais ou menos, a perseguição de que era vítima aquela encantadora senhora morena, esposa, na acepção legal do vocábulo, do ilustre advogado Severino Peixoto de Magalhães. O perseguidor, o capitão-tenente Barros da Gama, não a deixava um só instante. A moça mostrava-se, porém, irredutível — não tanto, talvez, por si mesma, pelos seus escrúpulos de coração e de consciência, mas, sobretudo, pela atitude que assumiria o marido se descobrisse, um dia, a sua leviandade.

A situação de Dona Cotinha era essa, quando o Municipal anunciou, um dia, em récita de uma Companhia Francesa, "Tendresse", de Henri Bataille.

— Vamos, filhinha? — convidou o Dr. Severino. — Vamos?

— Vamos! Concordou a moça, indiferente.

No dia seguinte ao do espetáculo, quando a criada já servia o café, lembrou-se Dona Cotinha da sua noite da véspera, indagando do marido o que achara da peça de Bataille.

— Não sei, filha. Aquilo é um tema que faz a gente meditar muito; sabes?

E preocupado:

— Eu pensei muito naquilo, durante a noite. A minha intransigência nessas coisas de honra, é o que tu sabes. A dor daquela rapariga que confessa ao companheiro a sua traição era, porém, tão impressionante, tão sincera, que eu acho que, na situação dele, não iria tão longe: perdoava-a, não esperando que a velhice, a tortura, os sofrimentos, me viessem abrir de novo o coração!

— Tu perdoavas, então, a mulher que, como aquela Marta, te enganasse?

— Perdoava! — confirmou o advogado.

Testa franzida, coração em conflito com a consciência, o Dr. Severino tomou o último gole de café, acendeu o cigarro, beijou a mulher, e saiu. E mal havia ele desaparecido no canto da rua, Dona Cotinha tomou do fone, pedindo uma ligação:

— Alô! É você, comandante?

E ante uma confirmação:

— sabe de uma coisa? Eu estou resolvida! O Severino perdoa!

E contentíssima, os olhos faiscando.

— Vou-me vestir... Já vou!