Poesias (Bernardo Guimarães, 1865)/Cantos da solidão/À sepultura de um escravo

A’ SEPULTURA DE UM ESCRAVO

Tambem do escravo a humilde sepultura
Um gemido merece de saudade:
Uma lagrima só corra sobre ella
      De compaixão ao menos....
Filho da Africa, emfim livre dos ferros
Tu dormes socegado o eterno somno
Debaixo d’essa terra que regaste
      De prantos e suores.

Certo, mais doce te seria agora
Jazer no meio lá dos teus desertos

A’ sombra da palmeira, — não faltára
Piedoso orvalho de saudosos olhos
      Que te regasse a campa;
Lá muita vez, em noites d’alva lua,
Canção chorosa, que ao tanger monotono
De rude lyra teus irmãos entoão,
      Teus manes acordara:
Mas aqui — tu ahi jazes como a folha
Que cahio na poeira do caminho,
Calcada sob os pés indifferentes
      Do viajor que passa.

Porém que importa — se repouso achaste,
Que em vão buscavas n’este valle escuro,
      Fertil de pranto e dôres;
Que importa — se não ha sobre esta terra
Para o infeliz asylo socegado?
A terra é só do rico e poderoso,
E d’esses idolos que a fortuna incensa,
      E que, ebrios de orgulho,
Passão, sem ver que co’as velozes rodas
Seu carro d’ouro esmaga um mendigante
      No lodo do caminho!....
Mas o céo é d’aquelle que na vida

Sob o peso da cruz passa gemendo;
É de quem sobre as chagas do inditoso
Derrama o doce balsamo das lagrimas;
É do orphão infeliz, do ancião pesado,
Que da indigencia no bordão se arrima;
É do pobre captivo, que em trabalhos
No rude afan exhala o alento extremo;
— O céo é da innocencia e da virtude,
      O céo é do infortunio.

Repousa agora em paz, fiel escravo,
Que na campa quebraste os ferros teus,
No seio d’essa terra que regaste
      De prantos e suores.
E vós, que vindes visitar da morte
      O lugubre aposento,
Deixai cahir ao menos uma lagrima
De compaixão sobre essa humilde cova;
Ahi repousa a cinza do Africano,
      — O symbolo do infortunio.