POESIA RECITADA NO THEATRO ACADEMICO POR A. FIALHO DE MACHADO
na noite de 22 de outubro de 1862
Italia e Portugal! que duas patrias!
Ambas tam bellas, tam amadas ambas!
Uma, a patria do berço; outra a das almas:
Uma, a das artes; outra a dos combates!
Oh! deixae que hoje, aqui, sobre o meu peito,
As estreite, a final. — Ha quanto tempo
Eu quizera juntar-vos, pelas frontes,
Beijar-vos, bem unidas, soluçando,
Como quem, tendo pae, mãe encontrasse.
Portugal! nobre filho de guerreiros!
Viste, primeiro, o sol da liberdade,
Mais feliz, não maior e nem mais digno
Que tua irmã, a Italia. — Ella, entretanto,
Chorava, olhando o céo, negro de nuvens!
Cobriram-n'a de affrontas! sobre os hombros
A toga negra, já como sudario:
O seu corpo partido em dez retalhos:
O extrangeiro assentado nos seus lares...
E não se via sol no céo da Italia!
Dizei-me vós, se pode o grande rio
Existir, sem que as fontes o basteçam?
Se pode quem nasceu fadado ás glorias,
Esquecido morrer? Se os fortes netos
De Mario e de Catão, ir assentar-se
Sosinhos sobre o tumulo dos fortes
— Olhos no chão e pulsos algemados?
Se é possivel que exista um povo — um povo! —
Sem ser livre, e sem sol o céo da Italia?!
O céo da Italia!... esse céo
Tem, por sol, a liberdade!
Riqueza... de claridade...
Mas se foi Deus quem lh'a deu?!
O que Deus dá é sagrado!...
'Stava o povo escravisado
E par'cia, de esquecido,
Prostrar-se tam compungido
Ante os pés de seu Senhor?!
Pois bem! a esse povo escravo
Bastou-lhe o brado d'um bravo
Para se erguer, — eil-o em pé!
E aos tyrannos, aos senhores,
Aos fortes, cheios de fé,
Bastou-lhes ouvir os clamores
D'essa turba esfomeada
Para deixarem a espada...
Raia a nova claridade,
A aurora da liberdade,
D'um proscripto no palor!
O povo toma as espadas,
Meias gastas e olvidadas,
Sobre as campas dos avós:
E, ainda vestido de dó,
Com esforço sobrehumano,
Ergue os hombros... e o tyranno
Treme... nuta... eil-o no pó!...
Quem derruba, sobranceiro,
Altos colossos por terra?
Quem é que faz d'uma guerra
A festa do mundo inteiro?
Um homem?
Não!
A Justiça!...
Deus! — o unico juiz
Dos povos na grande liça!
Só Deus! —
Elle dá ao triste
Allivios... não odios vís!
A essa Italia que hoje existe
Segredou-lhe, em quanto oppressa,
Como sagrada promessa,
Em vez de iras da vingança,
Estas palavras d'esperança:
«Tudo tem allivio á magoa:
A flôr murcha, a gotta d'agua;
Cruz, o moribundo exangue;
Um filho, a fera mais seva;
Amor, o martyr; a treva,
Um raio de claridade...
E o povo, que é vida e sangue,
Não hade ter liberdade?!»