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... é valorisar a mulher ti-
rando-a do triangulo fatal: ca-
samento, ociosidade ou prostitui-
ção.
Agostinho de Campos.
OHOMEM português, como todo o dos povos latinos, despresa no fundo a mulher, apesar de ser o que mais a tem cantado poeticamente e turificado pelo amôr.
Talvez mesmo por isso... A mulher só lhe apraz como objecto de prazer ou escrava dos seus desejos, e para a conservar assim, nessa dependencia que lhe quer fazer convencer que é soberania, sujeita-se a tudo, até aguentar-se com todo o trabalho para que ella não crie habitos de independencia, vendo-se apta para ganhar a sua vida, sentindo-se senhora das suas economias.
A mulher casada, como está constituida a familia no nosso paiz e como em geral o homem a deseja — vive em casa do marido. Come o que o marido lhe dá. Veste aquillo que elle paga com o seu trabalho. É mãe de filhos de que elle, só, paga todas as despêsas. É o thesoureiro do dinheiro delle, e não poucas vezes ouve criticar com asperêsa os seus actos de governante!
A mulher casada, sem fortuna propria, é bem pouco senhora na casa que chama sua e pelo cantinho da qual aspirou tantos annos, isto se não tem a habilidade de se fazer admirada como um modelo de bom senso e economia, o que não é raro, como já dissemos.
Mas sendo a mulher casada apenas uma parte da grande familia feminina, porque não fazer com que essas que não têm marido que as sustente, nem filhos a educar, nem casa onde se abriguem e governem, trabalhem e se tornem independentes?
Em França — diz uma das suas ultimas estatisticas — existem 2.622:170 mulheres celibatarias maiores de 21 annos.
Não sabemos as que ha no nosso paiz, por mingua de estatisticas comprovativas, mas sirva-nos esse numero de termo de comparação.
Aqui temos, pois, mais de dois milhões de criaturas que não têm marido que as sustente e que precisarão de trabalhar para poderem subsistir.
Tirando desse numero a imensa legião das pobres que no vicio sordido procuram o sustento ou o luxo, ainda ficaremos com uma bôa percentagem de mulheres honestas que precisam de trabalhar para viver.
Nos ultimos tempos nota-se, principalmente na capital, uma certa afluencia de mulheres na procura do trabalho; mas é preciso que essa concorrencia se não torne em exploração.
Ha pouco quem seja logico nos seus principios e quem sacrifique os seus mesquinhos interesses pelo bem dos outros, por isso é necessario pôrmo-nos em guarda e não concorrermos com a nossa miseria para a miseria geral.
Começa a mulher entre nós — o ultimo paiz da Europa que tal faz! — a ser utilisada no comercio, para que tem já provadas e apreciaveis aptidões, mas não deve consentir que a utilisem por exploração, para lhe pagarem inferiormente um trabalho igual ao dos homens.
Por igual trabalho, igual paga — tal deve ser o principio fundamental do labôr feminino.
Se o homem português fôsse mais bem orientado, em vez de hostilizar a mulher que trabalha, e de a expulsar das suas associações, — ou não lhe permitindo o voto, nem as aceitando como elegiveis para os cargos das sociedades — tornar-se-ia o seu aliado e em concorrencia leal cada um apresentaria as suas próvas e seria provido nos logares conforme as suas aptidões, — e não conforme a paga.
É repugnante a lucta de egoismos, e, quando se exerce com a ferocidade do esfomeado que defende o seu alimento, dá-nos a sugestão desoladora de que a criatura humana no fundo da sua alma, apesar de tantos seculos de civilisação , é bem semelhante ao troglodita que defendia a presa ensanguentada a unhas e dentes contra o seu irmão ou a sua companheira, devorando o adversario se ficava vencedor.
A mulher tem direito a viver como o homem, e, mais, tem o direito a trabalhar e a ser respeitada no seu trabalho, só devendo temer a concorrencia leal.
Que fóros especiaes tem o homem português para exigir que a mulher, professora, não concorra ás cadeiras primarias de rapases ou ás cadeiras mixtas, se ella tiver competencia para o fazer, quando em tantos outros paizes são ellas que se encarregam de quasi toda a educação primaria?
Que direito lhe assiste em não consentir que a mulher telegrafista passe aos cargos superiores, se ella — excepcionalmente ou não — fôr um empregado mais consciencioso e inteligente do que os seus colegas, e tiver os mesmos annos de serviço ?
Que direito tem o homem em manifestar repugnancia em ser dirigido por uma mulher se ella tiver mais aptidões do que os dirigidos?
Em ser ensinado por ella se mostrar em suas provas e cursos e concursos publicos que podia proficientemente desempenhar-se da sua missão?
É abominavel de egoismo o argumento do homem que diz: — nós já somos muitos e se a mulher entra definitivamente na lucta pelo trabalho, mais sofreremos nós. Mas então para o homem não sofrer é preciso que a mulher sofra a fome e a nudez?
Repito — não me refiro já á mulher casada, que tem o homem que a sustenta; refiro-me á solteira, que tem direito á vida e ao trabalho para a sustentar com nobrêsa.
O caixeiro sobresalta-se porque a mulher começa — só agora em Portugal! — a ser caixeira. E não é isso justo?!
Não é esse trabalho sedentario o mais proprio para o sexo que dizem fraco? Mal lhes fica até o reparo, porque ha muita profissão que elles poderiam exercer sem se sujeitar a um trabalho que, por muito feminil, deve ser deprimente para a dignidade masculina.
Quantas vezes não ouvimos dizer: — que tal ou tal oficio não serve para a mulher, porque é pesado para a sua força, demasiado violento para a sua fraquêsa organica?...
E, no entanto, percorrendo as provincias do norte ao sul de Portugal, visitando as oficinas e as fabricas, não vemos que a seleção se dê pela força mas sim pelo salario.
Vimos no Porto, não ha muitos mêses, as mulheres carregarem com pesadissimos materiais numa fabrica de ceramica, emquanto ao lado, numa oficina alegre e arejada, alguns homens, muito comodamente sentados, ganhavam o seu jornal pincelando pratos no trabalho leve e material da estampilha, que sem duvida caberia melhor ás mãos delicadas da mulher. E á discreta manifestação da nossa invencivel estranhêsa, percebemos que alguns murmuravam, num entre-dentes invejoso: — era o que faltava, mais essa concorrencia!...
Logo, o homem não afasta a mulher da lucta e do trabalho para a poupar a fadigas com que não possa, visto que a deixa carregar fardos, esfregar casas, trabalhar a qualquer hora da noite em que chegam os barcos de pesca, nas fabricas de conserva de peixe, quer de verão quer de inverno, molhada em salmoiras, com as mãos geladas, de pé, horas e horas consecutivas; que a deixa mondar, ceifar, fazer muitos outros serviços do campo, qualquer que seja o tempo, de ardente calôr ou de frigido inverno... A mulher desempenha, em muitas terras das nossas provincias de norte, o serviço de estafeta, percorrendo a pé muitas leguas, carregada com pêsos que o homem, certamente, não aguentaria sobre a cabeça.
A mulher, como criada, anda um dia inteiro de pé no fatigante serviço de casa, deitando-se tarde e levantando-se cedo.
Aguenta uma criança nos braços durante horas consecutivas.
Passa dias com um ferro de engomar e de brunir; cose á máquina horas sem conta...
E muitos outros serviços pesados, que seria longo enumerar.
O homem vê isso e não se sobresalta nem indigna, porque são trabalhos que elle não quer para si, por mal remunerados.
Se, por acaso, qualquer destes serviços viesse a ser bem pago, não ha duvida que acorreriam logo a pugnar pela fraquêsa da mulher.
Na lucta pela vida o homem é impiedoso para a mulher, que não é a sua. A operaria raro tem no operario um colega e um amigo; tem apenas um homem que a desmoralisa e que a despresa se os trabalhos são diferentes, que a odeia, se é o mesmo, valendo-se de tudo, até das leis protecionistas, como os tipografos francêses — que apelaram para a lei que prohibe o trabalho da mulher feito de noite, para as expulsar das tipografias em que se compõem os jornaes matutinos.
Quando se aventam estas e outras opiniões e estranhêsas, é de uso o homem responder: — mas se a mulher vem concorrer comnosco nas profissões em que hôje nos ocupâmos, o que faremos nós?
O que farão?!... O que fazem os inglêses, muito mais numerosos do que nós e que percorrem o mundo inteiro para ganhar a sua vida; o que fazem os suissos, levantando a sua pequena patria a toda a altura duma grande nação; o que fazem os americanos, os alemães, os suecos e tantos outros, em paizes onde a mulher é equiparada ao homem pelo trabalho.
A riquêsa dum paiz não é espontanea, adquire-se com o trabalho, e o português, que não tem, como o francês, repugnancia pela emigração, tem nas nossas colonias campo vasto para a sua actividade e engenho, alem do muito que ainda tem a fazer na metropole, e sem receio de concorrencias.