a Assis Pacheco

Era um domingo. O comendador Viana acabou de almoçar, sentou numa cadeira de balanço, cruzou as mãos sobre o ventre, atirou olhar pela janela escancarada que enchia de ar e luz a sala de jantar, e no jardim vizinho, um homem a escrever, sentado à sombra de caramanchão.

— Ó menina, dá cá o binóculo.

Laura, a esposa do comendador Viana, trouxe-lhe o binóculo, ele assestou contra o homem do caramanchão.

— Não me enganava: é ele... É o tal Passos Nogueira!...

— Que Passos Nogueira? - perguntou Laura.

O comendador não respondeu; voltou-se para a criada, que leva a mesa, e interpelou-a:

— Aquele sujeito mora ali há muito tempo? Você deve saber...

— Que sujeito?

— Aquele que está escrevendo acolá, no jardim da casa de pensão não vê?

— Ah! O poeta?

— Quem lhe disse a você que ele é poeta?

— É como o ouço tratar na vizinhança. Já ali morava quando viemos para esta casa.

— Entretanto - observou Laura - estamos aqui há oito meses e é a primeira vez que o vejo.

— Deveras? - perguntou entre dentes o comendador, com um olhar de desconfiança.

— Ora esta! - murmurou Laura, muito admirada da inflexão e do olhar do marido.

— Parece impossível que minha ama não tenha reparado - acudiu a criada - porque o poeta vai todas as manhãs e todas as tardes escrever naquele lugar.

— Todas as manhãs? - indagou o dono da casa, levantando-se.

— E todas as tardes - repetiu ingenuamente a criada.

E foi para a cozinha.

— Viana - obtemperou Laura, aproveitando a ausência da criada - você faz umas coisas esquisitas! Esta mulher vai ficar convencida de que meu marido tem ciúmes de um homem que eu nem sequer conheço!

— Aquilo é um bandido! - regougou o comendador.

— Pois deixe-o ser! Que temos nós com isso? Ele está na sua casa e nós na nossa.

— Se eu soubesse que aquele patife morava ali, não tínhamos vindo para cá!

— Mas que importa que ele more ali?

— Importa muito! Aquilo é sujeitinho capaz de manchar a reputação de uma senhora com um simples cumprimento. Ele algum dia já te cumprimentou?

— Pois eu já não lhe disse que nunca reparei nesse homem?

— Ali onde o vês tem causado a desgraça de umas poucas de senhoras! Por causa dele a mulher de um negociante deixou o marido, a filha de um despachante da Alfândega saiu da casa do pai, e a viúva de um coronel tentou suicidar-se!

Com efeito! - exclamou Laura, agarrando rapidamente no binóculo. - Deve ser um homem excepcional!...

— Não! é melhor que o não vejas! - ponderou o marido, tomando-lhe o binóculo das mãos. - Que interesse tens tu?...

— Apenas o interesse que você mesmo me despertou, contando-me as conquistas desse Napoleão do amor.

— Mulheres doentias e malucas... Pobrezinhas que se deixaram levar por cantigas, ora aí tens!... Aquele peralta faz versos, e os jornais levam a dizer todos os dias que ele tem muito talento... e que é muito inspirado...

— Lembra-me agora que já tenho lido esse nome de Passos Nogueira.

— Oh, menina, vê lá se também tu...

— Descanse: já não estou em idade de me deixar levar por poesias.

— Pois sim, mas peço-te que não te debruces nessa janela quando o tal poetaço estiver no seu caramanchão.

— Por quê? Receia que eu caia? Ora deixe-se de ciúmes!

— Não são ciúmes, são zelos. Não receio pelo que possas fazer... mas tenho medo que a vizinhança murmure.

Laura, que até então ignorava a existência do poeta Passos Nogueira, começou a interessar-se muito por ele, graças à réclame feita pelo comendador. Sentia-se atraída pela figura daquele horrendo sedutor de solteiras, casadas e viúvas, e duas vezes ao dia, reclinada à janela, olhava longamente para o poeta.

Este acabou por notar a insistência com que era contemplado pela vizinha, e prontamente correspondeu aos seus olhares lânguidos e prometedores.

Estabeleceu-se logo entre eles um desses namoros saborosos e terríveis, ridículos e absorventes, que monopolizam duas existências.

Para justificar a precipitação dos fatos, digamos que Laura, mulher de vinte e seis anos, romântica e nervosa, casara-se, muito nova ainda, com o comendador Viana, homem quinze anos mais velho que ela, curto e positivo, que não correspondia absolutamente ao seu ideal de moça.

Digamos ainda que o poeta Passos Nogueira, rapaz de talento vantajosamente apreciado, atordoou-se quando se viu provocado pelos bonitos olhos de uma bela mulher casada. Apesar da reputação que gozava e da qual se fizera eco o próprio comendador, Passos Nogueira jamais inscrevera ao seu canhanho de conquistas fáceis aventura tão interessante e tão considerável como essa que agora lhe desassossegava o espírito e lhe espantava as rimas.

Digamos ainda que o comendador continuava todos os dias a fazer réclame ao namorado, referindo-se à sua pessoa em termos desabridos, insultando-o de modo que ele não ouvisse e, finalmente, exprobrando a Laura, por mera presunção, que ela o animasse e lhe desse corda.

Não tardou que o poeta escrevesse à vizinha um bilhete, lançado por cima do muro que separava as duas casas. Perguntava pelo seu nome e pedia-lhe uma entrevista. Ela respondeu:

"Não! Não é possível! Não me persiga! Esqueça-se de mim! Bem vê que não sou livre! Um encontro poderia causar a nossa desgraça!"

Mas, não obstante desengano tão decisivo e formal, no dia seguinte os olhos da moça encontraram-se com os do poeta. Ela sentia a necessidade, o dever de fugir daquele homem, mas não tinha forças para fazê-lo. E o namoro continuou.

Dois dias depois, novo bilhete. Ela abriu-o sôfrega e palpitante - e leu estes versos:

"Eu não sou livre", escreveste;
Porém, se livre não eras,
Por que com tantas quimeras
Encheste um cérebro nu?
Pedes que não te persiga...
Mas por teus olhos ferido,
Reflete que o perseguido
Sou eu meu anjo, e não tu!

Quando da tua janela
Atiras aos meus desejos
Olhares que valem beijos,
Porque tens beijos no olhar;
Quando esses ternos olhares
Com meus olhares se cruzam,
Teus lindos olhos abusam
Do seu condão de encantar!

Não te compreendo, vizinha;
Tu mesma não te compreendes:
Fazes-te amar, e pretendes
Que eu fuja e te deixe em paz!
Mas não vês que é negativo
Este sistema que empregas?
Tudo, escrevendo, me negas,
— E, olhando, tudo me dás!

Vizinha, bela vizinha,
Vizinha por quem padeço,
Pois tais palavras mereço
Que me fizeram chorar?
O prometido é devido...
Para que o peito me aquietes,
Ou dá-me quanto prometes,
Ou não prometas sem dar'

Para encurtar razões: Passos Nogueira e Laura foram por muito tempo, e não sei se continuam a ser, os amantes mais apaixonados que ainda houve.

Ela nunca perdoou ao marido o mau passo que deu. Seria ainda hoje o modelo das esposas, se o comendador não se lembrasse de fazer réclame ao poeta.

Este, por expressa recomendação da amante, nunca mais apareceu no caramanchão fatídico.

Isto fez com que o marido tornasse às boas.

Uma tarde perguntou:

— Ó menina, então o poeta já ali não mora?

— Não sei - respondeu Laura com uma deliciosa indiferença. Se se mudou, melhor! Um libertino daqueles!

— Deixa-o lá, coitado! Muitas vezes são mais as vozes que as nozes.

— Que diabo! Foi você mesmo quem falou da filha do despachante, da mulher do negociante e da viúva do coronel!...

— Disseram-me. Este Rio de Janeiro, menina, é a terra da maledicência. Deus me livre de que alguém se lembre de espalhar por aí que eu roubei o sino de São Francisco!