- Olhe as terras onde se propaga o Evangelho.
Desde um ao outro pólo,
Da China ao Panamá,
Do africano solo
Ao alto Canadá
a A.C.M. conquista, suaviza, prestigia e guia...
Nós acabávamos de jantar e o meu ilustre amigo, com um copo d'água pura na mão, dizia-me coisas excelentes.
- O nosso movimento, continuou, conta entre os seus amigos Eduardo da Inglaterra, o príncipe Bernadotte da Suécia, o presidente dos Estados Unidos e Guilherme II. Na França, ministros de Estado aceitam cargos de administração da A.C.M.; na Inglaterra os seus edifícios erguem-se em todas as cidades como os grandes lares da juventude honesta, e por toda a parte ela reforma os costumes e purifica as almas dos moços, tornando-os simétricos e bons. Você não terá uma idéia integral do movimento das cinco igrejas evangélicas do Rio sem ir apreciar de perto o capitel magnífico dessa coluna de branco mármore. A A.C.M. é o remate admirável da nossa obra de propaganda.
Finquei os cotovelos na mesa com curiosidade.
- Mas a origem da A. C. M. no mundo?
- Shuman, secretário-geral em Buenos Aires, disse-nos na convenção de 1903 essa origem. Em 1836 apareceu na cidade de Bridgewater, na Inglaterra, um rapazola de 15 anos, chamado George Wiliams. Mandava-o o pai do campo para aprender um ofício. George viu que os seus sessenta companheiros eram de moral duvidosa e sem crença e que de um meio tão grande só dois ou três oravam ao Redentor. Orou também no seu mísero quarto, por trás da oficina, durante uma hora. A princípio fazia só esses exercícios, depois convidou os companheiros, e cinco anos depois estava em Londres. Londres! a cidade mais populosa do mundo!
Conhece você os perigos das cidades, o desvario, a luxúria, a perdição, o jogo, a ambição desmedida dos grandes centros? Onde se congregam mais os homens, aí entra com mais certeza Satanás, aí grassa mais terrível a epidemia da perdição. Wiliams na fábrica em que se empregou, não encontrou um só cristão. Ao cabo de um mês, porém, apareceu um novo empregado, Christofer Smith, e os dois ligados pela amizade, resolveram a conversão dos companheiros, convidando-os para estudar a Bíblia e orar. Em pouco tempo as reuniões cresceram, e a 10 de junho de 1844 representantes dessas reuniões efetuaram a organização da primeira Associação Cristã de Moços. Foi seu fundador uma criança de 20 anos, mandada pelo Salvador a um meio cheio de vícios e de tentações para lhe dar o bálsamo da honestidade.
A pequena associação estendeu-se a todos os países do mundo. Hoje há mais de 1.500 na Inglaterra, de 1851 até agora 1.600 fundaram-se só nos Estados Unidos. À primeira convenção internacional compareceram 39 delegados de 38 associações em sete países; em 1902 em Cristiania assistiram 2.508 delegados de 31 países. Há 60 anos a A.C.M. iniciou os seus trabalhos; hoje só na América do Norte há mais de 25.000 moços estudando a Bíblia nas classes das associações e num só ano 3.560 professaram a sua fé convertidos na Associação e 9.600 outros se dedicaram ao serviço do Senhor.
- As A.C.M. não admitem apenas crentes professos?
- Não, a Associação de Londres resolveu, em 1848, receber como sócios auxiliares os moços de boa moral. Atualmente metade dos nossos sócios, cerca de 250.000, pertence a essa classe. Mas, meu caro, é esta uma base luminosa da propaganda, chamar a si os olhos do mundo, mostrar a pureza num século de impurezas, tolerar e purificar. Entre os estudantes das escolas, na profissão borboletante do jornalismo, nas raças mais estranhas, entre chins e caboclos selvagens, na classe universalmente conhecida pela sua intemperança, nos empregados das estradas de ferro da América, a propaganda alça por esse meio a branca flâmula da Associação.
O meu ilustre amigo calou-se. No restaurante o burburinho crescia, senhoras com toilettes caras, homens contentes, curvavam-se no prazer de comer. Havia risos, criados passavam com os pratos de cristofle brilhando à luz dos focos, em baldes de metal as garrafas gelavam e das jarras de cristal as flores de pano pendiam desoladas ao peso do pó e do tempo. Todos ali conversavam de interesse, de ambição, de amor, de si mesmos... Senti-me superior, mandei vir um copo d'água, bebi-o com pureza. Naquela grande feira nós conversávamos da alma e do bem universal!
- E a A.C.M. do Rio?
- A nossa Associação tem também a sua evolução. Os primeiros moços cristãos reuniram-se para ouvir Simonton e Kalley na travessa das Partilhas. Foi aí que germinou a idéia de uma sociedade evangélica de moços. Em junho de 1866 cerca de vinte crentes organizaram a Sociedade Evangélica Amor à Verdade, que se manteve durante quatro anos.
Em 1871 apareceu uma outra sociedade com fins idênticos, funcionando na travessa das Partilhas e na travessa da Barreira. Esta chamava-se o Grêmio Evangélico, tinha uma oficina de impressão da qual eram tipógrafos e impressores os próprios sócios, dirigidos por Antônio Trajano, Azaro de Oliveira, Carvalho Braga e Ricardo Holden.
Myron Clark, que fez o histórico desse movimento, conta ainda mais, antes da atual Associação, a Boa Nova, dirigida por A. Seabra, M. Diel e Antônio Meireles, em 1875; o Grêmio Evangélico Fluminense organizado por Antônio de Oliveira, Severo de Carvalho, Noé Rocha e Benjamin da Silva, na rua de S. Pedro, 97, com o fim de manter um jornal de propaganda, uma classe de música, biblioteca, sessões literárias; a Associação Cristã dos Moços, fundada na mesma rua de S. Pedro com uma diretoria composta pelos Srs. João dos Santos, Antônio Andrade, José Luiz Fernandes Braga e Salomão Guisburgo, que publicaram o Bíblia, primeiro jornal evangélico a ocupar-se da mocidade no Brasil; e a Sociedade Evangélica de São Paulo.
A A.C.M. do Rio foi fundada a 31 de maio de 1893. Vinte e dois moços, representantes das igrejas Metodistas, Presbiteriana, Fluminense e Batista, reuniram-se na rua Sete de Setembro, 79 e Myron Clark e Tucker expuseram o fim da reunião. Dias depois aprovaram os estatutos e elegiam a diretoria: Nicolau do Conto, Antônio Meireles, Luís de Paula e Silva Myron Clark e Irvine. Não é possível ter feito tanto em tão pouco tempo! Em 8 de agosto a Associação já estava instalada na rua da Assembléia e começava a pôr em atividade os diversos departamentos do trabalho social.
Nem a revolta, nem os bombardeios, nem a agitação apavorada da cidade conseguiram esfriar o santo entusiasmo. Quando os tiros eram muitos, a Associação fechava as suas salas, para no outro dia abri-las; as aulas funcionavam; e no dia 12 de outubro, quando toda a gente só falava em tiroteios, os moços cristãos iam a Copacabana, iniciando um dos seus ramos de trabalho, a excursão social.
- Como se realizou a compra do prédio?
O evangelista limpou o lábio seco.
- Em 1895, o secretário-geral sugeria a conveniência do projeto. A diretoria aprovou-o; na reunião da vigília os Revs. Leônidas da Silva e Domingos Silveira falaram, pedindo donativos e compromissos mensais para criar-se um fundo especial, e nesta ocasião começaram os trabalhos da comissão dos compromissos. A Associação tem tido poderosos auxílios estrangeiros, tem em Fernandes Braga, uma alma pura e nobre, um grande esteio, mas no fim da reunião da comissão verificou-se que a soma total dos compromissos era de 65$000 mensais.
- Deus do Céu!
- O patrimônio da Associação eleva-se hoje a mais de cem contos. Fernandes Braga comprou o terreno, James Lawson ofereceu-se para emprestar o dinheiro das obras, abriu-se uma subscrição, Braga deu dez contos e Lawson dois; a comissão, composta de Fernandes Braga Júnior, Lisânias Cerqueira Leite, Luís Fernandes Braga, Domingos de Oliveira e Oscar José de Marcenes, multiplicou-se. Dois anos depois inaugurava-se o edifício, a casa dos moços, a obra de Deus, como diz o Rvdm. Trajano. A nossa satisfação, porém, meu caro, não vem apenas da realização desse tentamen.
A A.C.M. do Rio acendeu nos evangelistas do Brasil o desejo de associações idênticas. Eu, só, posso citar a Associação Cristã de Moços de Belo Horizonte, a Sociedade de Moços Cristãos de Castro (do Paraná), a A.C.M. de Sorocaba, a Associação Educadora da Bahia, a de Taubaté, a Legião da Cruz, a Milícia Cristã, a Associação de Santo André no Rio Grande, a Associação Cristã dos Estudantes no Brasil, filiada à Federação dos Estudantes no Universo, de São Paulo, a do Natal e a de Nova Friburgo.
Dentro em pouco estaremos como os Estados Unidos.
- Prouvera a Deus!
Tínhamo-nos erguido.
- Onde vai?
- Por aí, passear, ver.
- Pois venha comigo à Associação, agora. São 7 horas, estão funcionando as aulas. Venha e terá uma impressão do que é o centro do evangelismo no Brasil.
E saímos pelas ruas pouco iluminadas, em que a chuva miúda punha um véu de névoas.
A Associação não é nem uma igreja nem uma sociedade mundana, embora possua característicos profanos e seculares; é a casa dos moços, o segundo lar que supre as necessidades intelectuais com biblioteca, cursos, aulas, conferências; mantém a sociabilidade da juventude em salões de diversões, desenvolve-lhe o físico com ginásticas, jogos atléticos, passeios, piqueniques e, conjuntamente, lhe faz sentir a necessidade da religião. Há nessa instituição de fonte inglesa o desejo de um equilíbrio, a vontade de criar o moço simétrico, o desenvolvimento harmonioso, num ser vivo, da inteligência, do físico, da natureza social e da alma.
O homem nas grandes cidades perde-se. A Associação ampara-o, serve-lhe de escola, de clube, de lar, de templo, dá-lhe banho, conversas morais, pingue-pongue, danças, aulas noturnas, ensina-lhe a Bíblia, põe-lhe à disposição os jornais do mundo, fá-lo assistir a conferências sobre assuntos diversos. O moço deixa o lar paterno e, enquanto por sua vez não forma outro lar, fica nesse ambiente de honestidade, não só se tornando o tipo admirável do equilíbrio, como preservando das avarias e dos sofrimentos a prole futura.
A Associação é o conforto, a paz e broquel da honestidade por estes turvos tempos. Tudo quanto ensina é útil, tudo quanto diz é honesto, tudo quanto faz é para o bem.
Ao subir as altas escadarias, recordei a frase do meu amigo. A Associação é o capitel, é a razão de ser da futura propaganda, é o centro do evangelismo, a maneira eficaz por que todas as igrejas evangelistas demonstram na sua perfeita integridade a vida do cristão.
Quando chegamos lá em cima, funcionavam as aulas: na sala de diversões jogava-se o crokinole e o carroms; a um canto conversava-se. Todos estavam bem dispostos e riam com prazer. O meu ilustre amigo apresentou-me ao presidente, Braga Júnior, um moço inteligente, extremamente modesto; ao secretário, de uma distinção perfeita; e os dois mostraram-me, simples e sem exageros, os vastos salões, o de ginástica, o das conferências, o de estudos bíblicos, aulas, a secretaria, a biblioteca.
A gentileza peculiar aos evangelistas cativava naquele vasto prédio, cheio de vida e de mocidade. Cada frase do secretário era uma noção exata, cada reflexão do presidente tinha um grande ar de bondade e de modéstia. As mobílias eram novas e por toda a parte os conselhos cristãos abundavam.
- Não admire aqui, disse o meu amigo, senão a vida do civilizado e do honesto. Você conversou com os pastores, esteve com os missionários, assistiu ao culto nas nossas igrejas, viu o esforço das missões. Veja agora apenas a vida. Estes que aqui estão, meu amigo, livres estão dos três horrendos animais da visão dantesca. Não os aterram a pantera da literatura pornográfica, o leão do jogo da bola e a loba da lascívia. E, por isto, salvos por Cristo, serão maiores amanhã e mais fortes.
Senhor! parecia uma conversão! Apertei-lhe a mão, deixei-o jogando pingue-pongue, desci os dois andares. Na rua ventava uma chuva fria e penetrante. A loba, a lascívia, a pantera, a pornografia, o leão, o jogo, a eterna vida! Quantos neste mundo se salvaram dos animais simbólicos na grande banalidade da existência, quantos?
Como apertasse a chuva, embrulhei-me mais no paletó, atravessei as ruas escuras recordando a aparição que fizera recuar o Dante até lá dove'l sol tace.
Mas sem gritar e sem ver o vulto da salvação, porque talvez a tivesse deixado no salão de divertimentos, na doce paz daquelas almas fortes e tranqüilas.