Prefácio

 

Se lê muito pouco, dizia Voltaire, e, entre aqueles que querem se instruir, a maior parte lê muito mal. Da mesma forma um epigramista desconhecido, ao menos de mim, dizia, no começo, eu creio, do século XIX:

A sorte dos homens é esta:
Muitos chamados, poucos eleitos;
A sorte dos livros, eis aqui:
Muitos soletrados, poucos lidos.

Saber ler, pode-se sentir, é, portanto, uma arte e há uma arte de ler. É com ela que sonhava Sainte-Beuve (NT* Charles Augustin Sainte-Beuve, um crítico literário) quando dizia: «O crítico não é mais que um homem que sabe ler e que ensina os outros a ler.»

Mas em que esta arte consiste? Eu creio que agora ficamos totalmente complicados.

Já que uma arte se define a partir do objetivo a que ela se propõe, nós temos, sem dúvida, que nos perguntar porque lemos. É para nos instruir? É para julgar as obras? É para ter prazer? Se é para nos instruir, nós devemos ler muito lentamente, anotando tudo o que o livro nos ensina, tudo o que ele contém de desconhecido para nós — e mais, nós devemos reler, muito lentamente, tudo o que nós escrevemos. É um trabalho muito sério, muito profundo e no qual não há nenhum prazer, a não ser aquele de se sentir mais instruído um momento após o outro.

É para julgar as obras, ou em outros termos, é para ler como crítico? Da mesma forma, será necessário ler muito lentamente, tomando notas e mesmo fazendo isso sobre fichas. Fichas relativas à invenção, às novas ideias; fichas relativas à disposição, ao plano, à maneira que o autor conduz suas ideias ou conduz a sua narrativa, ou mistura suas ideias com a narrativa; fichas sobre o estilo, sobre a língua; fichas de discussão, enfim, quer dizer sobre as ideias do autor comparadas com as suas, sobre o gosto dele comparado com o seu, sobre suas ideias ainda e seu gosto comparados ao de nossa geração ou ao da geração à qual ele pertencia, etc. De todas essas fichas, você forma a ideia geral que você tem do autor e as ideias particulares que tem sobre ele e você só tem que ligar logicamente ou de forma realista essas ideias particulares àquela ideia geral para fazer, se não um bom artigo, ao menos um artigo que se sustente.

Somente você terá ensinado a seu leitor a ler como um crítico, e não a ler para desfrutar de sua leitura, e pouco falta para que a palavra de Sainte-Beuve não seja falsa: o crítico não sabe ler para seu prazer e não ensina aos outros a ler para o deles. Ele ensina ao leitor a ler como crítico. E ler assim não é um prazer ou, pelo menos, é um prazer muito particular, misturado com muita secura. Sarcey me dizia, perto do fim de sua vida, é verdade: «Como me cansa ler os livros para saber aquilo que eu diria sobre eles! Isso não é mais ler; não é mais se abandonar; é reagir; é ler em si mesmo mais do que no autor.» Ele tinha um pouco de razão. Para que serve então o crítico? A fazer com que se leia um autor a partir de um certo ponto de vista. Seu artigo é um tipo de introdução ao autor, introdução, que, inclusive, pode ser muito útil. Seja que o leitor já tenha ou não lido aquele autor, o crítico o convida a ler em uma tal predisposição ou a reler (ou repensar) sob uma nova orientação. No primeiro caso, ele lhe diz: “pense nisso”; no segundo: “você tinha reparado nisso?” . Para falar como Bonald, que via tudo por três e dentro de cada tríade um mediador, a leitura se compõe de três personagens: o autor, o leitor; e o crítico é o mediador.

Mas, ainda uma vez mais, o crítico é um homem que só sabe ler como crítico e que só ensina a ler como crítico, que só ensina a leitura crítica, sobre a qual, ao final, eu não penso em falar mal. Mas você quer ler somente para desfrutar de suas leituras? Quer aprender a ler como se aprende a tocar o violino, quer dizer, para saber como tocar e para ter o maior prazer possível tocando? Este é um objetivo totalmente diferente; é um outro ponto de vista, e é a esta arte que se consagra o pequeno livro que eu começo.